sábado, março 26, 2005

Texto que escrevi no último carnaval e deveria ter publicado aqui antes, mas não o fiz

Bumbumpaticumbumprugurundum

Domingo de carnaval. Já o li o jornal. Muita gente diz que os jornais são todos iguais, e que ler o jornal de hoje ou o de ontem é a mesma coisa: “só desgraça!”. Como quase-jornalista (sou formado mas não exerço) não posso nem quero concordar. Acho até curioso que, num mundo onde dois terços da população vive na pobreza e quase sempre serve de estrado para os pés do outro terço – acredite: eu, você e o Bill Gates aqui juntos! -, num mundo sistematicamente desventurado, as pessoas queiram jornais sérios sem boas doses de notícias e reportagens deprimentes.

Mas quero escrever sobre o carnaval carioca, não sobre jornais – até porque os desdobramentos do primeiro parágrafo são inúmeros e meu rápido comentário é, obviamente, inconcluso. O carnaval carioca. Quantos já não escreveram sobre as beldades bem-de-vida, todo ano aduladas pelos presidentes das escolas de samba para que desfilem poderosas na avenida e atraiam mais flashes para a agremiação? Quantos já não escreveram sobre as comunidades que costumam ser coadjuvantes de turistas e globais? Serei mais um.

Joãozinho Trinta talvez seja o maior carnavalesco de todos os tempos. Hoje doente, parece não ser reconhecido como devia. Mas ele disse uma frase, famosíssima, que sintetiza a globalização da avenida – aqui com direito a duplo sentido: “pobre gosta de luxo. Quem gosta de miséria é intelectual”. Frase instigante, mas que serve de justificativa para tantos presidentes e diretores de escolas de samba – e João, como homem do povo, com certeza não teve essa intenção: um carnaval-trampolim para a nova mocinha gostosa da novela ou do programa de banalidades; um carnaval onde ricos e pobres continuam desiguais, com poucos reis e rainhas do morro e muitos “nobres” que só se misturam com os “plebeus” naqueles 60 ou 80 minutos de desfiles; um carnaval televisivo.

“Lá vem mais um pseudo-marxista-saudosista”. Não nego ter uma nostalgia do que não vivi, senhores. Mas, definitivamente, não quero pregar contra a Rede Globo nem desferir comentários xenófobos. É ótimo que o carnaval do Rio seja televisionado – o mesmo até para o carnaval paulista; é ótimo que milhões(?) de turistas venham para cá e gastem muitos dólares – e de preferência, gostando e não sofrendo nenhum tipo de violência que não seja constatar nossas desigualdades indisfarçáveis. Só queria, com todos os meus limites intelectuais, atualizar a discussão sobre a ocupação dos territórios de festa. E o sambódromo é um deles, como são Vila Mimosa, Baixo Gávea, Lapa...

Mas é óbvio que há muitas diferenças. A cidade carioca continua partida, como constatara Zuenir Ventura. Isso não significa que não existam lugares de intersecções. Estávamos falando sobre um deles agora mesmo! E é em homenagem à passarela do samba, projetada pelo assumidamente comunista Oscar Niemeyer, que proponho uma outra festa. Não pensei num nome para essa festa, mas seria simétrica ao carnaval: abastados e desafortunados juntos, numa megaboate na Lagoa ou na Barra, no Morumbi ou nos Jardins, lembrando que vão desaparecer em breve. Em vez de playboys cobiçando mulatas, poderiam ser office-boys desenrolando com as patricinhas. Todos celebrando a igualdade de um fim-de-semana, como no “carnevale”. Cinismo e rancor à parte, no nosso Rio os “sofisticados” sabem muito bem quando vale a pena tirar um casquinha dos suburbanos, até que, satisfeitos, digam “BASTA!”.

sábado, março 19, 2005

Flerte

Do fato

Finalmente, iniciei a graduação em Filosofia na Uerj.

Da pompa

Estudar numa universidade pública ainda é símbolo de status no Brasil; talvez, ainda o será durante muito tempo; talvez, seja este mesmo o desejo de todos nós, ou muitos de nós, que estamos lá dentro.
Cursar Filosofia é geralmente estudar numa universidade pública, se não me engano. Não há como negar que somos privilegiados - mesmo numa sala-sauna (sem eucalipto, giz ou apagador), espremendo-se para copiar textos na "xerox" e dentro de um lugar onde a presença dos que, há poucos anos, nem sonhavam com "terceiro grau", é agora quase inevitável. Estes são os "afirmados", que lutam para subverter a "ordem cultural-natural" brasileira. A cidade partida é suturada com barbante na R.S.Francisco Xavier, 524.

Da turma (e turmas)

Estou encantado, embora não esteja surpreso. São senhores e senhoras classe média, formados, sendo colegas de jovens da periferia que lutam contra anos de "acintes à Santa Gramática" e péssima formação básica; jovens da Zona Sul, gozando de um tranqüilo conforto, estudando sossegados - ou até cursando duas faculdades suimultaneamente -, ao lado de trabalhadores suburbanos, já especialistas em ler e elucubrar sufocados numa condução superlotada.
Sei que não sou o único funcionário público da minha turma. Também já sei que, embora formado em Jornalismo e com alguma bagagem acadêmica, posso e vou apanhar bastante (já levei umas bordoadas) de meninos e meninas cheios de ingenuidade (maior que a minha) e senso crítico aguçado (ainda que mais verde que o deste que o diz). Garotos sem medo de dialogar com professores cheios de experiência e "acúmulo cultural". Garotos sem medo de agitar politicamente um lugar em grave crise, nem de receber, cheios de auto-confiança, os novos colegas - a despeito da idade destes.

Das aulas

Se não pudesse cursar Filosofia na Uerj, certamente matricularia-me no curso "Filosofia à Maneira Clássica", da ONG Nova Acrópole. Eles realizam um trabalho muito digno, acessível a todos os que venham a se interessar. Depois que me apaixonei pela Filosofia e comecei a devorar livros, entendi que seria bom ser orientado para não me perder num possível auto-didatismo confuso. Entretanto, confesso meu medo de academicismo. Já senti alguns calafrios em certos momentos, naquela sala-sauna. Temos idéias infantis, não? Idéias como parecermos estúpidos nos comentários; idéias como parecermos apáticos e desinteressantes ao hesitar quando vem o impulso da alma, que nos diz "indague o mestre!" ou "indaque o colega!", "você ainda não está satisfeito com tal explicação! Não foi suficiente!"; idéias...enfim, não sei se infantis ou senis, ao temer os espinhos da roseira do saber. Será que estudarei tudo o que é possível em quatro bons anos de formação? Sei o que é esse "tudo"? O que é esse "tudo"? Indagações, ao que o coração indica, desnecessárias. Não serei filósofo por completar as dezenas de disciplinas que me esperam; se filósofo tornar-me, será pelo verdadeiro amor ao saber. Tenho certeza de que esta busca faz de mim alguém mais vivo - porque mais digno de viver.

"Analfabeto não é o que não sabe ler; é sim aquele que, sabendo ler, não lê"
Mário Quintana

sexta-feira, março 11, 2005

Senhores do destino

Aproveitando o mote sentimental-ufanista da novela, digo: é por algumas e outras que não aprecio os telefolhetins, ainda que vez por outra perca tempo assistindo. Assistindo aos fins previsíveis, aos trilhões de casamentos e gravidezes (plural de gravidez?), ao maniqueísmo. As novelas reúnem material rico para uma teoria crítica revisada e ampliada de Walter Benjamin, se este ressuscitasse.
Admito logo minha especial antipatia por Aguinaldo Silva, autor de "Senhora do Destino". Admito também que assim sou diante de quase todos os autores - admiro levemente Manoel Carlos, Gilberto Braga e Benedito Ruy Barbosa. Excluindo a ótima Renata Sorrah e o competente José Wilker, tudo é só mais do mesmo. Nem o casal de lésbicas é novidade, embora a Globo tenha liberado selinhos entre as moçoilas apaixonadas.
Irritam-me o maniqueísmo, o nacionalismo (e regionalismo) barato e os "encaixes" - isto seria a ligação confortável entre todos os bonzinhos dentro do Reino do Bem, oh! O rei ou rainha protagonista, muitas vezes (caso de "Senhora...") vindo da pobreza e "vencendo na vida"; os princípes e princesas co-protagonistas vivendo um batido romance água-com-açúcar até chegar o dia da transição, quando serão os coroas sedutores - isto se não caírem no ostracismo; os coadjuvantes, amiguinhos sempre contentes em serem platéia da felicidade alheia - e , quem sabe, com simpático par também coadjuvante.
Não esqueci dos vilões. Maus, arrogantes, implacáveis, desonestos, "lascivos" (não "sensuais" como os bonzinhos), geralmente irrecuperáveis e sem nenhuma qualidade para contrabalancear.No máximo são grã-finos. As novelas não gostam do cinza; às vezes o insuam, mas correm para o branco-no-preto. Ou é bom ou não presta, o resto é complicado demais para o povo. Porque o povo quer ir à forra dos finais infelizes da sua vida. Quer comemorar aquele sucesso alheio tão familiar, de meses em meses. Eles desconhecem o fato de que podem, por si mesmos, escrever outras histórias. A TV oprime com muito carinho. Quem seria senhor do seu destino?

Das minhas dificuldades no blog

Estou gostando desse blog - ainda, praticamente, virgem. No entanto, não estou muito perto do que imagino uma utilização ideal, ou formidável.
A primeira, e principal, é a pressa. Talvez seja impaciência, ou indisciplina. O fato é que quase nunca escrevo com calma, despreocupado em escrever rápido. Acredito que uma certa dose de tranqüilidade seja benéfica. Mas não; quase tudo tem surgido como improviso - às vezes penso que coloquial demais, uma provável bobagem da minha parte. É engraçado porque parece ser esse - ou ter sido esse - o "espírito da coisa". Como sou assiduamente invejoso e conheci alguns blogs bem mais "profissionais", fico cobrando mudanças de mim mesmo.
A segunda dificuldade, creio, é a solidão. Ninguém responde - só um sujeito deu sinal de vida, mas parece ter sido apenas para fazer propaganda do blog dele. Ora! Também não divulgo o blog com eficácia. Quantos já sabem sobre o meu cantinho virtual? Se você que está lendo não for eu mesmo - eu pessoa física -, estamos indo bem. Se for o velho Thiago, saia já daí e faça algo mais útil. Vai, se manda! Escreve outro texto!

sexta-feira, março 04, 2005

Soco no estômago

Não é uma metáfora: hoje - ou melhor, ontem - eu vi um homem socando a barriga de uma mulher, lá na Rua Acre, perto de onde trabalho. Foi quando ia embora, cinco e pouca da tarde. Talvez ela estivesse grávida - alguém disse "vai abortar a criança, ô seu babaca". Ele parecia bêbado ou transtornado. Ela também. Ela gritava um grito esganiçado como quem fosse chorar. Eles chegaram meio que a se abraçar; na verdade, mais parecia um clinch, como numa luta de boxe. Foi então quando ele acertou um soco no estômago dela. Depois tentou acertar o rosto, mas a coitada se abaixou. Não sei se o soco doeu mesmo nela. Também não sei se o soco e toda a cena desagradável - daquelas que reunem espectadores - deveria ter doído em mim. Não sei se doeu.
Estou lendo "Cidade Partida", de Zuenir Ventura. É sobre o principal sintoma da tensão social e do fracasso estatal na cidade do Rio: a violência. Mas, o que é violência? E o que é, mais especificamente, a violência de grandes cidades do Terceiro Mundo, como o Rio? O medo, esse sim, talvez seja o principal sintoma citado acima. Porque a violência é filha do medo, é subproduto do medo. Mas não sou psicólogo nem sociológo, em suma, não estou preparado para discorrer sobre o medo. Apenas sinto medo e sei que todos também sentem - apenas intuição. Zuenir "viveu" durante meses em Vigário Geral, o bairro que ficou famoso por causa de uma chacina - na qual ninguém ligado ao tráfico foi morto (nem nosso instinto de vingança poderia ter sido satisfeito, pois os mortos eram inocentes, se é que existem culpados e inocentes).
Sem ser nenhuma novidade, digo que o Centro do Rio é um microcosmo dessa cidade partida. Perto de edifícios imponentes, cabeças de porco e favelas. Perto de restaurantes sofisticados, biroscas fedorentas. Perto dos desembargadores e dos funcionários públicos vagam mendigos, prostitutas, pessoas panfletando "relax só a dez reais", grandes assaltantes de celular e vários outros tipos que deixam a nós, pequenos e grandes privilegiados, com enjôo. Esse enjôo pode ser vontade de vomitar a realidade - se é mesmo possível isso. Mas pode ser aquele enjôo do tédio, de quem prefere tentar entender "coisas" mais fáceis. Fico pensando sobre qual é o entendimento de todos depois de doarem cinco minutos de suas vidas para assistir ao Sr.Ninguém agredindo a Sra.Ninguém. Alguma coisa nos incomoda.