Texto que escrevi no último carnaval e deveria ter publicado aqui antes, mas não o fiz
Bumbumpaticumbumprugurundum
Domingo de carnaval. Já o li o jornal. Muita gente diz que os jornais são todos iguais, e que ler o jornal de hoje ou o de ontem é a mesma coisa: “só desgraça!”. Como quase-jornalista (sou formado mas não exerço) não posso nem quero concordar. Acho até curioso que, num mundo onde dois terços da população vive na pobreza e quase sempre serve de estrado para os pés do outro terço – acredite: eu, você e o Bill Gates aqui juntos! -, num mundo sistematicamente desventurado, as pessoas queiram jornais sérios sem boas doses de notícias e reportagens deprimentes.
Mas quero escrever sobre o carnaval carioca, não sobre jornais – até porque os desdobramentos do primeiro parágrafo são inúmeros e meu rápido comentário é, obviamente, inconcluso. O carnaval carioca. Quantos já não escreveram sobre as beldades bem-de-vida, todo ano aduladas pelos presidentes das escolas de samba para que desfilem poderosas na avenida e atraiam mais flashes para a agremiação? Quantos já não escreveram sobre as comunidades que costumam ser coadjuvantes de turistas e globais? Serei mais um.
Joãozinho Trinta talvez seja o maior carnavalesco de todos os tempos. Hoje doente, parece não ser reconhecido como devia. Mas ele disse uma frase, famosíssima, que sintetiza a globalização da avenida – aqui com direito a duplo sentido: “pobre gosta de luxo. Quem gosta de miséria é intelectual”. Frase instigante, mas que serve de justificativa para tantos presidentes e diretores de escolas de samba – e João, como homem do povo, com certeza não teve essa intenção: um carnaval-trampolim para a nova mocinha gostosa da novela ou do programa de banalidades; um carnaval onde ricos e pobres continuam desiguais, com poucos reis e rainhas do morro e muitos “nobres” que só se misturam com os “plebeus” naqueles 60 ou 80 minutos de desfiles; um carnaval televisivo.
“Lá vem mais um pseudo-marxista-saudosista”. Não nego ter uma nostalgia do que não vivi, senhores. Mas, definitivamente, não quero pregar contra a Rede Globo nem desferir comentários xenófobos. É ótimo que o carnaval do Rio seja televisionado – o mesmo até para o carnaval paulista; é ótimo que milhões(?) de turistas venham para cá e gastem muitos dólares – e de preferência, gostando e não sofrendo nenhum tipo de violência que não seja constatar nossas desigualdades indisfarçáveis. Só queria, com todos os meus limites intelectuais, atualizar a discussão sobre a ocupação dos territórios de festa. E o sambódromo é um deles, como são Vila Mimosa, Baixo Gávea, Lapa...
Mas é óbvio que há muitas diferenças. A cidade carioca continua partida, como constatara Zuenir Ventura. Isso não significa que não existam lugares de intersecções. Estávamos falando sobre um deles agora mesmo! E é em homenagem à passarela do samba, projetada pelo assumidamente comunista Oscar Niemeyer, que proponho uma outra festa. Não pensei num nome para essa festa, mas seria simétrica ao carnaval: abastados e desafortunados juntos, numa megaboate na Lagoa ou na Barra, no Morumbi ou nos Jardins, lembrando que vão desaparecer em breve. Em vez de playboys cobiçando mulatas, poderiam ser office-boys desenrolando com as patricinhas. Todos celebrando a igualdade de um fim-de-semana, como no “carnevale”. Cinismo e rancor à parte, no nosso Rio os “sofisticados” sabem muito bem quando vale a pena tirar um casquinha dos suburbanos, até que, satisfeitos, digam “BASTA!”.