domingo, dezembro 30, 2012

PALÍNDROMOS (EXERCÍCIO MENTAL PARA INÍCIOS, MEIOS E FINS DE ANO)

É também uma pausa daquelas reminiscências. Redescobri os palíndromos neste fim de ano como um exercício mental anti-tédio (aliás, estou lendo um livro no qual o autor defende que "o tédio é uma ilusão"). Mas o palíndromo, como fenômeno lingüístico e psicológico, é fascinante para mim.O primeiro que vislumbrei e publiquei neste blog,lá pelos idos de 2005/2006, foi na verdade um quase-falso-palíndromo, ei-lo:

DOGMA I: I AM GOD

Comecei a escrever numa parede-lousa aqui em casa, e o engraçado foi que um amigo, que à época elogiou o 'quase-falso-palíndromo' acima, parecia não lembrar dele ao vê-lo escrito na minha parede - e chegou a pronunciar de maneira incorreta (incorreta para o próposito de ser um plaíndromo).

Outros palíndromos de minha autoria (ou cujo plágio não identifiquei):

AZILI BOM É LARÉ, NICODEMOS. SOME DO CINERAL E MOBILIZA!

O OVO, O RACIONAL;LÁ NO ÍCARO, O VÔO.

O DEMO, NU, ORA PERANTE O ETNA, REPAROU NO MEDO.

LEI: FRASE, PESAR FIEL.

ALI, É! RITALINA ANIL ATIREI LÁ.

OI, RATO OTÁRIO!

AÊ, ME FOGE O EGO FÊMEA.

Por enquanto é só.

quinta-feira, dezembro 20, 2012

"Memórias...", capítulo 25

CAP.25 - RECONCILIAÇÃO

Este capítulo, embora remeta ao famoso dia 25 que mais uma vez se aproxima - e chegará, e passará -, trata fundamentalmente da dificílima tarefa de reconciliar homens e deus à luz (se há luz) do que chamamos Cristianismo. No século III d.c, a igreja católica concliou sua doutrina do Homem-Deus com a festa pagã do nascimento do Deus Sol. Inteligentíssima decisão, que facilitou a conversão de muitos romanos e a própria distensão com o império. Depois dessa conciliação, seguiriam-se muitas outras mudanças, porém quase todas relativas a rupturas, a separações - de instituições, de facções, de personagens históricos e anônimos...e sobretudo, a confirmação de que fé e razão viveriam em litígio no coração dos seguidores de Jesus. 

O deus cristão ergueu uma gigantesca e espessíssima muralha entre ele e os seres humanos. Deixou apenas uma mínima fresta - o filho de Maria. Ele, Deus, garante ser justo e afirma nos amar, mas pede que nos contorçamos para atravessar uma fresta pela qual não se vê o outro lado. Ele, Deus, teria enviado missionários para explicar a todos nós como conseguir se espremer o suficiente, mas nenhum dos enviados é convincente. Ele, Deus, não admite qualquer outra maneira de superarmos essa muralha, pois seus enviados, embora falhem nas suas explicações, nos asseguram que são mentirosos aqueles que sugeriram uma escada, ou uma porta - e o que se vê são pessoas desesperadamente entaladas.

Concílio, infelizmente, não significa conciliação, muito menos reconciliação. Porque houve muitos, sempre com o propósito de deliberar sobre questões de fé - e essencialmente escolher o que deve ou não constar da doutrina católica (antes apenas cristã). A própria divindade de Cristo foi deliberada em um concílio - o de Nicéia, em 325 d.c. Mais de trezentos anos para ter certeza de que Jesus vinha de Deus e era Deus simultaneamente, uma posição que hoje, ironicamente, é compartilhada por católicos e protestantes. Os cânones de cada concílio, muito mais do que consenso, contam a história dos vencedores e trazem à baila uma uniformidade que não existe nem nunca existiu. Que o digam Pelágio, os arianos, os gnósticos, e tantos outros anátemas derrotados.
Que o diga Orígenes de Alexandria. Apocatástase. Palingenesia. Não são palavrões, prezado leitor hipotético; são, na verdade, tentativas de construir portas e escadas para atravessar a impossível muralha a qual nos referimos mais acima. Teólogo e filósofo, Orígenes de Alexandria postulava que, no fim, haveria uma restauração universal, uma espécie de reconciliação na qual todos seriam salvos. A apocatástase viria após os fatos descritos no apocalipse, como uma bonança que sucede a tempestade; assim, após a ira divina, viria o amor realmente universal, a renovação, a regeneração, a tal palingenesia. O Segundo Concílio de Constantinopla (553 d.c) se encarregaria de soterrar esta ideia.

Digo 'soterrar' e não 'sepultar', porque ideias podem respirar em meio aos escombros. Orígenes de Alexandria não foi o único a ponderar que, afinal de contas, um deus que tudo pode e ama suas criaturas é capaz de deslindar o problema do pecado e perdoar de verdade. O caráter psicótico e cruel atribuído ao deus cristão pelos seus líderes eclesiásticos poderia, por que não?, ser modificado ou ao menos atenuado. Nos dias atuais, por exemplo, também existe que tenha coragem de insinuar isso, como o pastor americano Robert Bell, que postula a reconciliação universal e afirma que a verdade pode estar em qualquer sistema religioso. Obviamente, Bell tem seguidores mas, acima de tudo, críticos que vêem nele um herege.

Antes que algum leitor mais afeito à teologia cristã se levante para apontar eventuais imprecisões nesta narrativa, já digo que pouco importam os detalhes - na verdade, nem precisaria dizer isso se todos os eventuais leitores deste mundo fossem honestos consigo mesmos, hipótese ainda mais propensa a ataques do que a marginalizada reconciliação universal. Essa desonestidade intelectual é algo tão arraigado que, se o leitor hipotético se interessar, encontrará na internet zilhares de padres-pastores-teólogos que, num malabarismo mental desesperado, tentam justificar racionalmente (redundância) o porquê do caráter implacável do deus cristão e como poderia ser possível que o envio de criaturas para a danação eterna fosse algo compreensível e aprovável vindo de um ser supremo onipotente e, principalmente, justo.

Ano passado escrevi sobre o Natal (a Saturnália) de maneira um tanto amarga; não sei se faria diferente caso voltasse um ano no tempo, porém admito que o festejo, para o cristão, está ao menos indiretamente ligado a uma estranha tentativa divina de saciar sua 'sede de justiça' e de certo modo, reconciliar-se com suas criaturas. Mas não há dúvida de que o deus de Orígenes de Alexandria, Robert Bell e outros heréticos se revela muito mais passível de alguma admiração, porque é capaz de realmente perdoar, mesmo proporcionando, de todo modo, muito sofrimento a suas frágeis criaturas. Este deus poderia, quem sabe, ser o deus da reconciliação, um deus confuso mas de boa-fé, que até merecesse, em retorno, o nosso perdão por ter dificultado tanto a nossa jornada pela vida. 

quinta-feira, dezembro 06, 2012

"Memórias...", capítulo 24

CAP.24 - MAIS UM POUCO SOBRE A AUTORIZAÇÃO DIVINA DO INSULTO

"Eu tenho pena do homem que na face da terra não acredita em deus", disse recentemente José Sarney, presidente do Senado e católico praticante. Membro 'imortal' da Academia Brasileira de Letras, Sarney bem que podia escrever uma peça farsesca sobre a polêmica em torno da expressão 'deus seja louvado' nas cédulas de real. Afinal de contas, foi o próprio Senhor-das-Terras-de-Maranhão-e-Amapá que, como presidente da república, em 1986, decretou a inclusão da frase nas notas do falecido cruzado. Agora ele diz que a tentativa de retirar a expressão é "pura falta do que fazer": com certeza sabe o que diz, pois enquanto a hiperinflação comia o dinheiro do povo brasileiro, a única coisa que Sarney podia fazer era mandar inserir uma exortação religiosa nas cédulas quase sem valor e rezar, rezar muito.

Talvez o leitor hipotético ainda esteja pensando no iniciozinho do parágrafo acima: "Sarney é católico praticante???"...ou antes: "ele acredita em deus???". Essas informações parecem incompatíveis com boa parte da biografia do octogenário presidente do Senado Brasileiro. Como já conversamos antes, em alguns capítulos destas memórias (vide por exemplo o cap.22), tudo é uma questão de interpretação, a bendita (ou maldita) interpretação. E não estamos aqui falando especificamente em listar 'bons cristãos' e 'maus cristãos', ou pesar na balança as coisas boas e as coisas ruins que o cristianismo, em suas variações, trouxe para o mundo. Poderíamos fazer isto - até devemos, quando alguém afirma enfaticamente que "justiça, liberdade, respeito e honestidade" são heranças cristãs - mas aqui prefiro me ater ao próprio personagem central da fé cristã, Jesus (faço aqui a concessão pré-natalina da letra maiúscula).

É comum, ou mesmo uma fatalidade, contrapormos o Antigo e o Novo testamentos bíblicos. Eles separam judeus e cristãos; podemos ter a impressão que separam, também, um deus iracundo (do Antigo) de um deus amoroso (do Novo). E o deus amoroso seria personificado pelo próprio Jesus. Mesmo ateus ou adeptos de religiões não-cristãs tendem a considerar, em geral, que Jesus era pelo menos 'um cara legal', alguém que pregou ensinamentos benignos como "ame ao próximo como você ama a si mesmo" ou "bem aventurados os que choram, pois serão consolados", entre outras afirmações afáveis e esperançosas. Mas Jesus puxou ao seu pai (seu-pai-ele-mesmo?), e quem realmente lê a bíblia (indo além de algumas frases) vai encontrar um carinha que pode ser bastante 'nervoso'.

Só para começar, lembre-se (ou saiba) que Jesus trouxe consigo a ideía do inferno, isto é, de um lugar de condenação e punição eterna a seres humanos. Não há nenhuma menção de tal lugar no Antigo Testamento - tanto é assim que os judeus não compartilham desse credo com os cristãos (dentre outros credos, obviamente). O cara ficava irado em diversos momentos, quebrando o barraco no templo, amaldiçoando figueiras (Marcos cap 11, Mateus cap 21) e, acima de tudo, indignando-se com quem não acreditava que ele era o 'filho de deus' (diversas passagens). Ao final do evangelho de Marcos (cap.16, versículos 15-16), ele foi curto e grosso com seus discípulos: "saiam pregando pelo mundo; quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado". E toda esta indignação sem termos qualquer prova confiável de que ele falava a verdade!

"Eu tenho pena do homem que na face da terra não acredita em deus". Pensando nas supostas consequências negativas anunciadas por Jesus, faz sentido a frase de Sarney - digam o que disserem acerca do quanto ele realmente segue os ensinamentos do seu salvador. Embora caiba ressalvar que a ideia de um pós-vida punitivo não é exclusiva nem originária do cristianismo, toda a história da cristandade (e consequentemente, do chamado 'Ocidente') é permeada pelo medo de sofrer eternamente após a morte. Essa cicatriz em nossa psiquê é uma herança de Jesus, Paulo, Agostinho e todo o time de profetas e pensadores do primeiro escalão da fé cristã. Mais do que pena, estes caras parecem ter uma profunda raiva de quem discordava deles, ou melhor, do deus deles.

Acreditem, Sarney pode estar falando a verdade sobre o que sente. Eu também sentia muita pena (e às vezes, raiva) de meus pais, amigos, conhecidos e até de desconhecidos que não acreditavam em deus - isto é, não acreditavam naquele deus no qual eu acreditava. Era realmente de partir o coração ver pela televisão, por exemplo, uma celebração hindu no rio Ganges, ou um festival zen-budista, e mesmo uma procissão católica no interior do Nordeste brasileiro, já que todas aquelas pessoas estavam enganadas e não praticavam 'a verdade', não adoravam 'o verdadeiro deus'. Quem sê vê como um mensageiro da 'verdade' tem, ao mesmo tempo, o rei na barriga e o peso da perdição do mundo nas costas.

Como hoje sou ateu, tenho a certeza de que um monte de gente sente pena de mim, igualzinho ao Sarney - e também sentem raiva, porque alguns deixam isso bem claro quando tentam argumentar comigo. Muitos destes que lamentam minha falta de fé também lamentariam se eu fosse judeu, muçulmano, budista, hindu, enfim, se eu fosse um não-cristão. E boa parte desses que lamentariam meu 'não-cristianismo' também não se dariam por satisfeito se eu embora cristão fosse, por exemplo, católico, espírita, ou simpático ao sincretismo ou ao ecumenismo. Esses cristãos fundamentalistas baseiam-se no que Jesus teria dito: "eu sou O caminho, A verdade e A vida; NINGUÉM vem ao Pai, senão por mim". Se o cara disse isto mesmo e se esta é a maneira certa de interpretá-lo, esqueça tudo sobre tolerância e chame de mentiroso quem iguala Jesus a Buda, Sócrates e outros personagens que demonstraram respeito pelas dúvidas e opiniões alheias.

O cristão fundamentalista não precisa vestir ternos horrosos ou batas ultrajantes - alguns, na verdade, parecem modelos da alta-costura. Basta que ele se sinta autorizado, ou pior, obrigado a te dizer que o inferno existe e que você irá para lá sofrer por toda a eternidade se não se converter ao 'caminho da verdade'. Ele te dirá com todo amor, verdadeiro ou ensaiado, que o deus deles é verdadeiro e justo por estabelecer estas condições. Dirão, inclusive, que a intolerância que professam é na verdade o amor de deus - pois 'o senhor' estabeleceu um só caminho até ele, para que o homem não ficasse confuso. E não adianta demonstrar a este mensageiro da verdade que as idéias dele não correspondem aos fatos - seria perda de tempo e, aproveitando as sábias palavras de Sarney, "pura falta do que fazer".



terça-feira, dezembro 04, 2012

"Memórias...", capítulo 23

CAP. 23 - O DEUS QUE AUTORIZA (NÃO SÓ) O INSULTO

"Liberdade, honestidade, respeito e justiça são todos princípios do cristianismo, o mesmo cristianismo que vem sendo perseguido pelos defensores do estado laico. Intolerantes, eles são contra o ensino religioso, as cruzes em repartições públicas, e agora voltaram sua ira contra a minúscula citação nas notas de real. É  no mínimo uma ingratidão com a doutrina que inspirou nossa cultura, nossos valores e até mesmo nossa Constituição, promulgada 'sobre a proteção de Deus'. A Carta Magna será certamente o próximo alvo dos laicistas. Mas aí, não bastará uma ação cível: eles terão que emendar a Constituição. Neste caso sou obrigada a concordar com o presidente do Senado, José Sarney, para quem a ação do Ministério Público foi pura falta do que fazer". Estas foram as observações da jornalista Rachel Sheherazade, âncora no SBT, após noticiar recentemente que a Justiça Federal havia negado o pedido do Ministério Público de São Paulo para a retirada da expressão 'DEUS SEJA LOUVADO' das cédulas de real.

A bela jornalista paraibana, de sobrenome incomum, despontou como destaque do telejornalismo brasileiro ao criticar, num comentário (na época como âncora de um jornal local), o carnaval paraibano e brasileiro em geral - recorrendo aos mais mofados clichês saudosistas e pseudo-politizados (fique à vontade para conferir na web, prezado leitor). Depois de alegrar espectadores 'desatentos' e moralistas com suas sábias palavras carnavalescas, Rachel ascendeu na carreira e continua a todo vapor, agora como âncora nacional, comentando sobre comportamento, economia e, como vimos no parágrafo acima, religião & política.

Antes que alguém pense que tenho algo em especial contra a jornalista, já esclareço que este capítulo não é sobre ela; não sou seu fã, mas a respeito - bem mais do que por exemplo, respeito o Datena, o falso defensor dos oprimidos que não hesitou em dizer abertamente que os ateus não têm parâmetros morais e coisas do tipo - e ainda se fez de vítima quando tomou um processo. Na verdade, apenas achei o comentário da Sheherazade (xará da heroína das 'Mil e Uma Noites') muito propício à analise que proponho aqui na minha anamnese. Vamos por partes, diria o estripador.

1 - "Liberdade, honestidade, respeito e justiça são todos princípios do cristianismo, o mesmo cristianismo que vem sendo perseguido pelos defensores do estado laico". Muito rico este trecho, merecendo várias observações:
a) A jornalista de pronto destaca o cristianismo como a 'vítima de perseguição' dos defensores do estado laico, esperta (ou desatentamente) ignorando que o laicismo refere-se a qualquer religião. Você poderá dizer: 'mas o cristianismo é o credo predominante'. Sim, mas veja o teor inteiro do comentário de Rachel para constatar que não se trata exclusivamente de cristianismo - e no caso da ação do MP de São Paulo, trata-se da frase 'deus seja louvado', exortação feita por n denominações religiosas.
b) Pleitear que o estado seja laico de fato E de direito não tem nada a ver com perseguir o credo de ninguém, e a jornalista sabe bem disso - ou não sabe? O estado brasileiro, na verdade, já é laico de direito, mas evidentemente não o é de fato, considerando que diversas decisões políticas (aborto, casamento homossexual, jogos de azar, etc) são tomadas levando-se em conta, abertamente, as crenças religiosas dos agentes políticos. As cruzes nas repartições são uma bobagem perto de todo o jogo político conservador-reacionário brasileiro.
c) É verdade que a crença cristã inspirou e inspira boas pessoas deste país a lutar por 'liberdade, honestidade, respeito e justiça'. Isto porque essas pessoas têm bom-caráter e com certeza se focaram apenas nas boas mensagens de sua fé, ignorando e mesmo se contrapondo aos diversos ensinamentos de ódio, escravidão, preconceitos, mentiras e intolerância que abundam nos textos bíblicos do Antigo E do Novo Testamento. Ademais, os referidos princípios podem ser correlacionados a ensinamentos de qualquer religião, não só ao cristianismo.

2 - "Intolerantes, eles são contra o ensino religioso, as cruzes em repartições públicas, e agora voltaram sua ira contra a minúscula citação nas notas de real"
a) Para acender a 'indignação' de seus espectadores 'desatentos', a jornalista usa de palavras melodramáticas ('intolerantes', 'ira') para espinafrar o direito do MP e de qualquer cidadão em questionar o fato de que, num estado laico (que somos), existam tantas referências oficiais a deus/religião. Intolerância e ira, na verdade, é bufar de raiva quanto ao direito de qualquer cidadão eventualmente expressar discordância do establishment cristão-teísta dentro do estado laico em que vive (ou que deveria viver)
b) A jornalista enfia um 'ensino religioso' no meio do berreiro. Será que ela sabe como esse 'ensino' tem ocorrido na rede pública? Há vários relatos sérios de proselitismo cristão, especialmente evangélico, nessas 'aulas' que são ministradas com o dinheiro do contribuinte - seja ele cristão, judeu, ateu, muçulmano, budista ou o que seja. Ensinar sobre a história das religiões, fazer estudos comparados, vá lá...estamos longe disso, e é nosso direito (e mais, dever), como cidadãos conscientes, denunciar essa palhaçada proselitista. Se o colégio é religioso (e portanto, não é público) já são outros quinhentos, escolha da família, que mesmo assim pode contestar algo que considere abusivo.

3 - "É  no mínimo uma ingratidão com a doutrina que inspirou nossa cultura, nossos valores e até mesmo nossa Constituição, promulgada 'sobre a proteção de Deus'."
a) Para a jornalista (e quem concorda com seus termos), além de ser um absurdo contestar o pseudo-laicismo, cometemos o pecado da ingratidão, oh. Se é 'no mínimo' ingratidão, o que seria 'no máximo'? Terrorismo, crime de lesa-pátria, vitupério contra o senhor-nosso-deus-e-seu-filho-jesus-cristo?
b) O cristianismo, junto com outras doutrinas e pensamentos, em especial os greco-romanos, mas também africanos e indígenas,  inspirou nossa cultura. Isto não significa que suas contribuições foram apenas benignas - pergunte, você que crê, às milhões de almas de negros, índios, cristãos-novos (judeus) e mesmo cristãos dissidentes, dentre outros, que foram mortos, trucidados, escravizados, roubados...
c) o 'deus' da nossa Constituição não tem sido lá muito protetor, né? A não ser que a referida proteção se aplique aos donos do poder, como Sarney.

4 - "A Carta Magna será certamente o próximo alvo dos laicistas. Mas aí, não bastará uma ação cível: eles terão que emendar a Constituição. Neste caso sou obrigada a concordar com o presidente do Senado, José Sarney, para quem a ação do Ministério Público foi pura falta do que fazer"
Alguém já avisou a jornalista e seus signatários que nossa constituição tem mais emendas que cano furado? Alguém já contou para essa galera que emendar a constituição é um justamente um direito, uma possibilidade, desde que respeitadas as próprias regras constitucionais? Triste ela 'ter que concordar' com Sarney, mas o homem é realmente uma autoridade no assunto: sempre tem o que fazer para manter-se na velha e boa mamata de Brasília. Um mestre.

Rachel não cometeu nenhum 'pecado': ela tem o direito - e mais, é paga para expressar sua opinião. Duro mesmo é tentar debater civilizadamente com muitos cristãos. Quase sempre, é perda de tempo para os dois; só que o cristão pode te dizer, com um sorriso compadecido no rosto, que você vai para o inferno por não acreditar em textos tão verídicos quanto qualquer outra lenda deste mundo. Eles te acusarão de pecar contra deus (ou mesmo de nascer com pecado), chamarão você de 'amado', ofenderão com doçura qualquer pensamento discordante, ainda que você traga provas que comprometam o discurso desses filhos de deus. Desde que os primeiros cristãos levaram a sério suas historinhas e sairam pelo mundo, ficou decretado, pelos deus deles, o direito de insultar 'hereges' e converter 'infiéis'. Trata-se de um favor que eles fazem ao mundo...sou mesmo um ingrato.