quarta-feira, dezembro 27, 2006

Tendo em vista o fim de ano

Fim de ano...quem costuma assistir ao Discovery Channel (ou seria o National Geographic?) descobriu recentemente que apenas 35% da população mundial comemora a chegada de um novo ano de 31 de dezembro para 1 de janeiro. É que os demais são hindus, judeus, muçulmanos, budistas, enfim, pessoas cuja religião tem um calendário peculiar, com outras datas de passagem do fim de um ano para o começo de outro. Esses 35%, segundo meu entendimento, seriam os cristãos...mas e os sem religião, não entram aí? Porque, de qualquer modo, nossa vida funciona nesse calendário. Aliás, a vida de praticamente todos neste mundo - inclusive judeus, budistas, etc...
Sinceramente, duvido muito que só 35% das pessoas do mundo comemorem a virada do ano em 31 de dezembro. A chamada 'cultura ocidental', ou 'cristã ocidental', é predominante neste planeta, e muito forte mesmo entre as 'outras civilizações' (os hinuds, judeus, budistas....). Isto não significa que deva ser assim; isto também não significa que não há caracteres negativos nessa dominação 'cristã-ocidental'. Pensando nisso, deixo meus votos de feliz-ano-novo-ou-velho através de um poema que escrevi há uns 3 ou 4 anos.

Umbigocentrismo

Meus amigos,
Devemos ver o mundo como ele é:
Da esquerda para a direita,
De cima para baixo,
Usando calça jeans,
Tomando coca-cola,
E a cada 31 de dezembro gregoriano,
Com transmissão global via satélite,
Desejar que a paz seja finalmente encontrada.

sábado, dezembro 23, 2006

Poema

Tripulação

Estamos bem aqui.
Um grito na cidade-vácuo
Das cidades deste mundo,
E cada um é um país.

Estamos cá e lá; quem diz
Que há diferentes lugares,
Lares de uma tal verdade
Que a lápis se escreve ao infeliz?

Viver é revelar-se obscuro.
Perduramos, letais a nós mesmos,
Inconclusas fagulhas a esmo.

Humano é o ser que me procuro:
Egotista à proa do passado,
Amarrado à popa do futuro.

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Rápido comentário sobre 'Uma verdade inconveniente'

Apesar de considerar muito importante as questões que abordei no texto abaixo, tudo fica em segundo plano ao pensarmos na mensagem que filmes como 'Uma verdade inconveniente' nos trazem: a condição da espécie humana, como criaturas passíveis de extinção que têm que saber viver e conviver no planeta. O nosso próprio amor ao ser humano e à vida é questionado ao nos darmos conta do que temos feito à Terra. Por favor, vejam este filme; vale mesmo a pena. Acho não dá ainda para alugar e ver com família neste Natal - infelizmente. Mas vejam assim que puderem. Eu assisti hoje, no Instituto Moreira Salles, na Gávea. Precisamos mesmo fazer a nossa parte e convencer os outros - principalmente, pressionar os homens de poder.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

O que é defesa da vida?

Gostar de maçãs é gostar das maçãs estragadas também? Uma velha canção de Raul Seixas diz que 'quem gosta de maçã irá gostar de todas porque todas são iguais'. Bem, o compositor parecia falar de relacionamentos livres ou adultério. Mas as maçãs não são iguais, nós sabemos (inclusive nesse aspecto sexual evocado pela música de Raul). Existem as gradações, mesmo entre maçãs do mesmo tipo - qualquer um que já foi à feira ou à quitanda sabe que é preciso escolher, na esperança de encontrar as de melhor aspecto e qualidade; as maçãs passadas são toleráveis especialmente quando não há alternativa, mas às podres ou bichadas só resta o lixo.
E este pobre ensaio visa a pensar sobre o valor da vida humana. É comum ouvirmos e lermos que 'todos têm o mesmo valor porque todos são seres humanos'. Hitler, então, vale o mesmo que Gandhi? Ronaldinho Gaúcho e o pereba da esquina se equivalem? Não posso considerar Chico Xavier melhor do que Fernandinho Beira-Mar? Sim, não, talvez, depende, as respostas variam e colidem, sendo a estrada reta da Declaração Universal dos Direitos Humanos um fiapo de uma teia gigantesca de conceitos e convicções. Uma teia em busca da aranha invisível ou inacessível que teceu esse engenhoso emaranhado.

Valor em si -
o ser humano tem um valor em si, independentemente do que faça? Quando olhamos para um recém-nascido ou mesmo para as crianças (com um pouco mais de boa vontade) somos instigados a dizer que sim, é isso mesmo, é a vida, a vida humana. Mas se pensamos em nosso vizinho antipático, em nosso chefe opressor, no ladrão que acabou de nos assaltar e agredir, etc, vamos saber onde colocar cada um em nossa escala de prestígio.
Pensando as grandes religiões - no sentido de mais difundidas -, Cristianismo, Judaísmo, Budismo, Hinduísmo e Islamismo (e suas vertentes internas), observamos que a vida é vista como um dom divino ou acontecimento primordial. Todas vão dar respostas sobre como fazer valer o milagre da vida; todas vão te apontar um caminho para a felicidade, e nisso fica pressuposto o valor do ser humano que pode ser feliz porque existe para dar certo - para agradar a Deus, para ser um com o todo, enfim, as diferenças cessariam na idéia comum do bem humano.
Mas essas mesmas religiões que a princípio valem igualmente para todos os homens e os consideram iguais são, cada uma à sua maneira, tremendamente hierárquicas. Há santos e pecadores, despertos e adormecidos, fiéis e infiéis, brahmas e párias, escolhidos e não-escolhidos - a igualdade é limitada. As mesmas criaturas, por merecimento, graça ou seja lá o que for, não alcançarão os mesmos resultados e isso será perfeitamente adequado. Que pecado para um cristão seria ter pena de Judas por seu destino tão infeliz! - afinal, ele 'teve o que mereceu', diria Pedro no livro de Atos dos Apóstolos. Mas por que afinal há bons e maus? Se os homens fossem iguais, como seria possível 'separar o joio do trigo'?

Política -
Como, entretanto, nem todos se importam com o que indicam as religiões, eis a política para pensar de maneira 'laica' sobre o valor do homem e como fazer com que as sociedades sejam felizes. A idéia do Estado Moderno, da governo racional não comandado por sacerdotes nem déspotas mas por sabedoria e senso de eqüidade e justiça - o Estado de Direito, que subordina a todos (mesmo os governantes) à Lei, esta é a idéia que hoje predomina no planeta e que marca especialmente o chamado Ocidente. Um bom governo não poderia prescindir de uma certa visão equânime dos 'cidadãos'. Mas até onde vai a igualdade?
Nascida na Grécia, a democracia (governo do 'demos', ou seja, dos cidadãos) vêm evoluindo ao longo de mais de dois milênios e agora parece estacionada na chamada 'democracia representativa liberal'. Mas seu sucesso não é o mesmo em todos os países, sendo especialmente problemática no Terceiro Mundo (nações capitalistas pobres ou muito pobres). Seu confronto com as alternativas, especialmente o ainda vivo Socialismo, ainda está em aberto.
Dirão os socialistas/comunistas que a democracia capitalista liberal é uma farsa, pois afirma uma igualdade jurídica mas impõe uma desigualdade econômica. Culpa da classe dominante, a burguesia detentora dos meios de produção e dos bancos. O sonho comunista de uma 'sociedade sem classes' seria conseqüência natural da hegemonia do proletariado, a classe trabalhadora oprimida. Pois é, os homens são iguais...mas uns são lobos e outros, ovelhas.
A história, entretanto, ainda não confirmou as espectativas do comunismo. As experiências de União Soviética, China, Cuba e demais nações que 'derrubaram o capitalismo' não resultaram na igualdade plena que faria feliz todas as pessoas. Em lugar dos grandes industriais e banqueiros, surgiu uma elite de burocratas do Estado, gerlamente liderados por um grande líder cultuado como um Deus. Os homens continuaram a ser 'divididos' entre 'lobos e ovelhas'. A crença na igualdade como viável e redentora permaneceu - como crença, tão religiosa como o paráiso monoteísta e o misticismo oriental.

Pena de morte -
Até que ponto uma vida merece ser vivida? É certo matar para mostrar que matar é errado? A sociedade quer justiça ou quer vingança? Peguntas que não podem ser ignoradas ao assistirmos a tantos atos bárbaros, como ônibus queimados com dezenas de passageiros dentro - dezenas de vidas ceifadas como suposta represália à morte de meia-dúzia de criminosos. Quanto vale a vida de quem rouba vidas injustificadamente?
Já se tornou comum refutar com veemência as alegações de ativistas dos direitos humanos ou mesmo de cidadãos não-engajados que consideram errada a pena de morte. Por humanismo, religisiodade ou o que for, esses irão afirmar que matar assassinos ou qualquer autor de crime hediondo é mero barbarismo disfarçado de justiça; ao que se poderá retrucar: 'mas que valor ainda pode ter à sociedade uma criatura que mata, estupra e muitas vezes sequer sente remorso?'. O valor intrínseco do ser humano parece se esvair e o que sobra são só os nossos atos. Somos iguais até agirmos.

Nietzsche escandalizou o mundo ao pregar o culto ao super-homem e desprezar a compaixão. O mundo não existiria para as massas, mas para o destaque dos melhores - só eles é que realmente valem a pena; tudo que se diz ou faz pela igualdade e pela caridade é meramente a 'moral dos fracos', o ressentimento e a inveja dos pequenos em relação aos grandes. Para este filósofo alemão, os homens são essencialmente desiguais e só a vida dos mais fortes e aptos torna válida a existência humana; os fracos devem aceitar isso e reverenciar os melhores - isso é que seria a verdadeira justiça.
Se tal visão de mundo pode nos enojar, como nos enoja o nazismo de Hitler, devemos no entanto ser honestos o suficiente para admitir que reside aí também uma concepção de valor da vida. Pois afinal, o que é defender a vida? É defender a vida de todos ou defender a vida dos que consideramos bons? Gostar de maçãs é gostar do fruto fresco ou do fruto estragado? Ainda que gostemos do ser humano com suas virtudes e defeitos, não é o saldo positivo o que nos faz acreditar e valorizar a humanidade, ou mesmo nossos irmãos e amigos?

Não podemos enxergar a aranha; nós mesmos somos essa habilidosa artesã, que tece por tempo indeterminado.

domingo, dezembro 03, 2006

Eu e eles - parte 1

O homem é obrigado a viver com outros, até porque só consegue se tornar adulto graças ao cuidado de outro ser humano. Há quem tenha amigos, há quem não tenha; mas não há quem não precise tolerar e respeitar, minimamente, alguns não-amigos por estes fazerem parte do funcionamento normal do nosso dia-a-dia. E assim como temos essa necessidade de conviver em nossas famílias e/ou comunidades e/ou sociedades, criamos a necessidade de conviver com alguns que chamamos 'estrangeiros', gente de outros lugares quase sempre chamados (os lugares) de países ou estados-nações. 'Eles', aqui neste texto, são os estrangeiros - os 'que causam estranheza', na raiz etimológica.
Dificilmente um 'eu-país', por exemplo, sobrevive hoje sem relacionar-se com 'eles-outros países'. É claro que as proporções de interdependência variam. Por exemplo: o Brasil tem uma certa dependência dos EUA e vice-versa, mas a nossa em relação a eles é muito maior do que o contrário. Para modificar essas balanças das interdependências os países, geralmente, apelam para educação, ciência, tecnologia, força, chantagens, etc (relação em aberto). Mas o convívio com os estrangeiros não se dá só nessas relações no 'espaço internacional': dentro de grande parte dos estados-nações, se não em todos, há estrangeiros e seus descendentes (nacionais? estrangeiros? nacionais-estrangeiros?) jogando algum papel, sendo odiados e/ou amados.
No Brasil - considerando nacional a descendência dos colonizadores portugueses, dos índios e dos negros escravizados -, a presença estrangeira aumentou bastante no início do século XX. Muitos italianos, alemães, libaneses, judeus, japoneses, dentre outros, vieram tentar a sorte no 'florão da América iluminado ao sol do novo mundo'. Reparemos nos descendentes deles, hoje tão brasileiros quanto qualquer cria de índios, africanos e lusitanos dos séculos anteriores: as estatísticas, salvo improvável engano, mostram que eles prosperaram em sua grande maioria - muitas vezes, mais do que os primeiros. Silva é o sobrenome (português) mais comum do Brasil, mas quantos deles estão no topo da pirâmide social? Quais são os sobrenomes da elite econômica brasileira?
Faço aqui mais uma pausa para reflexão, porque não se pode generalizar impunemente. Somos hoje governados por um Silva que veio da base piramidal, mas entre Silvas que nos decepcionam e Arns Neumann que nos dão alegria e lição de civismo, não hesito em preferir os segundos. Mas é fato também que a grande maioria dos pobres e mal remediados brasileiros de hoje são Silvas, Santos e Souzas de pele morena ou negra - 'caboclos', 'índios', 'mulatos', 'cafuzos' e 'pretos' filhos (netos, tetranetos) do tesão português por belas índias e negras. Os descendentes mais diretos dos nossos pais lusitanos (donos de padarias, açougues e congêneres) estão quase sempre em melhor situação. Os imigrantes citados acima, bem como seus descendentes 'não bastardos', não estão pedindo esmola, ralando por salário mínimo ou se alistando como soldados do tráfico de drogas.
Tudo isso que escrevo não deixa de conter certo rancor, certo ressentimento diante desse estado de coisas brasileiro. Sou um 'mulato' de classe média, filho de um branco (de linhagem predominantemente lusitana) de família classe média com uma 'mulata' de família mal remediada e mestiça. Meus sobrenomes são portugueses (Araújo Bastos), embora não seja um Silva. Estas linhas já escritas, bem como as que continuarei escrevendo aqui, podem até soar xenófobas para algum leitor hipotético, mas minha intenção é só pensar, refletir e desabafar um pouco. Porque pensar o que é ser brasileiro e como o Brasil trata 'os seus' e 'os outros' me parece necessário. Assim sendo, passo a discorrer sobre alguns 'deles' específicos: 'judeus', 'italianos', 'libaneses', 'japoneses', 'alemães' e 'chineses' (aspas porque os descentes destes todos simplesmente não podem ser considerados estrangeiros).

Eu e os 'judeus'

Acho que vejo judeus todo dia, porque moro ao lado do clube Hebraica. Há pouco tempo descobri que um gentio - um não judeu - pode praticar as atividades do clube, como basquete e tênis de mesa, mas não pode ser sócio - e o sócio paga menos pelas mesmas atividades. Sempre ouvi falar da lealdade que os judeus têm entre si - a proteção aos seus acima de tudo, ou quiçá abaixo apenas da fé em Javé. Quando eu era cristão e, segundo me diziam, cria no mesmo Javé (Deus) dos judeus, me contaram que os israelitas defendiam um princípio no que tange a relações comerciais: comprar só de outros judeus, mas vender para qualquer povo, mesmo os pagãos.
Os judeus não são tão numerosos 'como as estrelas do céu' - promessa da Torá -, mas têm no mundo, há muito tempo, uma tremenda influência, até se pensarmos proporcionalmente. Spinoza, Freud, Einstein, Spielberg, Woody Allan, etc - notórios pensadores e artistas, antigos e contemporâneos, são filhos de Sarah e Abraão. Muitos banqueiros, não sei quantos, também. Dizem que Holywood é dominada por eles. O Estado de Israel, embora laico, é desde sempre dominado por homens circuncidados e de 'kipá'. Em suma, talvez a promessa bíblica tenha se cumprido e os judeus sejam mesmo um 'povo escolhido'.
Nunca vi um judeu pobre. Devem existir alguns, sem dúvida muitos foram arruinados pela perseguição nazista, mas não me lembro de nenhuma foto chocante nem de nenhum texto do meu tempo denunciando a miséria em famílias judaicas. Sei que a comunidade judaico-brasileira é rica, dona de empreendimentos bem-sucedidos. Eis alguns notórios no Brasil: Bussunda, Luciano Huck, Sílvio Santos (na verdade Abravanel), Luciano 'pai da Sasha' Szafir, os filhos de Pelé com a israelita Assíria (aliás, Assíria não era nome de país inimigo dos judeus no Antigo Testamento?). Moro ao lado do Hebraica, em Laranjeiras, num edifício de gente pobre. Duvido muito que algum judeu seja morador do meu prédio.
Apesar das piadas, admiro o caráter poupador que se atribui aos judeus, porque eles sabem prosperar e mesmo sua fama de muquiranas tem de ser repensada, num país onde até os pobres desperdiçam o pouco que têm fazendo dívidas para comprar celulares com câmera e mp3. Encerro meus comentários sobre 'eles' lembrando-nos de que 'judeu' não é nacionalidade: trata-se de um povo - mais ou menos como os ciganos são um povo -, daí dizermos 'judeu polonês', 'judeu alemão', etc; quem nasce em Israel é israelense (inclusive os árabes israelenses). A tradição judaica me parece a mais protegida contra o efeito do tempo, os 'eles' mais propensos a permanecerem 'eles'.

Eu e os 'italianos'

A colônia italiana no Brasil é forte em São Paulo e sempre se ouve muitos sobrenomes italianos entre grandes homens de negócio e políticos - atualmente, os mais populares de Brasília são Palocci (ainda que afastado) e Dulci, homem forte do governo, fora o esquerdista Eduardo Matarazzo Suplicy e o tal churrasqueiro Lorenzetti. Os italianos parecem ter-se misturado mais que outros imigrantes europeus - excluindo-se, obviamente, os portugueses. Mas as madames paulistanas, por exemplo, não costumam se misturar à 'gentalha' sem sobrenome. Acho que minha avó materna era filha ou neta de italianos. Tenho um primo italiano, que possivelmente sofre preconceito de alguns compatriotas por ser filho de uma mulata brasileira - menos italiano, diriam alguns. Mas aqui é super chique ser um Gentili, um Forlani, um Borelli, um Fittipaldi, uma Cicarelli, rsrsrsrsrs...

Eu e os 'libaneses'

Na verdade, o preconceito e a ignorância também nos levam a chamar de iguais alguns diferentes cuja nossa cabeça não distingue. Acho que é o caso de libaneses...árabes, turcos!? Chame um libanês de turco e conseguirá irritar alguém, provavelmente. Não sei bem qual a ascedência de Paulo Maluf. Mas os árabes, no Brasil (os libaneses entram na enorme comunidade árabe do mundo), também obtiveram êxito através do comércio. O Saara não é Saara à toa...mas, voltando à questão do preconceito e/ou da ignorância, a visão que se tem dos árabes me lembra a visão dos americanos em relação aos 'latinos'. Para finalizar: neste ano descobri que tabule (prato árabe) é bem saboroso e nutritivo.

Eu e os 'japoneses'

Depois dos 'judeus' e talvez dos 'árabes', os 'japoneses' parecem ser o os mais cuidadosos com as tradições. Também é facílimo, entre nós - entre os 'ocidentais' de modo geral - confundir japoneses, coreanos, chineses, vietnamitas e demais 'com olhos puxados'. Mas os imigrantes que vieram para cá na primeira metade dos 1900, que eu saiba, eram mesmo japoneses.
Também radicados em sua grande maioria na Terra da Garoa, os 'japas' se deram muito bem em solo brasileiro; há grandes agricultores e comerciantes que geraram muitos agricultores, comerciantes, engenheiros, analistas de sistemas. Outro dia me surpreendi com um trocador de ônibus japonês...como!? Talvez não fosse japonês, porque o povo nipônico tem aqui um excelente padrão de vida. Assim como os judeus, tente achar algum japonês mendigando ou fazendo faxina para ganhar 350 paus - agulha no palheiro, se é que existe agulha. Curioso é que no Japão a vida dos 'decasseguis' - brasileiros filhos de japoneses, com o mesmo fenótipo - consiste em limpar latrinas e lavar pratos por preciosos yens.

Eu e os 'alemães'

Outro povo bastante confundido: poloneses ('polacos'), austríacos, etc. A família Von Richtofen é holandesa ou alemã (ou nenhum dos dois)? Graças à destruição provocada pelo nazismo, os alemães ainda são confundidos no mundo todo com o regime que outrora os enganou. Aqui no Brasil não é diferente: 'alemão' é gíria para inimigo. Mas a maior influência alemã no Brasil talvez seja a tara por loiras, ou a visão das loiras como as mulheres mais desejáveis, embora a grande maioria das mulheres brasileiras não seja loira nem tenha aquele 'brancura estrangeira' de uma alemã. Parece que a antropometria de araque preconizada pelo nazismo pegou por aqui: o Sul (onde há maior proporção de brasileiros loiros e maior descedência alemã) é visto como a região de pessoas mais bonitas e bem cuidadas, o que é uma meia-verdade.

Eu e os chineses

Nestes eu ouso não colocar aspas, apesar do que disse antes. É que a imigração chinesa é fenômeno mais recente que as demais aqui abordadas, tendo uma descendência brasileira ainda incipiente. Além do contrabando massivo, os chineses no Brasil também têm negócios no ramo alimentício - especialmente pastelarias. Não sei se por exigência nossa, 'boa vizinhança' ou mera necessidade, a maioria dos empregados desses comerciantes chineses são brasileiros. Vendem joelhos, pastéis e caldo de cana, geralmente em lanchonetezinhas modestas, mas como faturam! - infiro isto pela proliferação dessas lojinhas aqui no Rio. Será que os brasileiros desfrutam da mesma tranqüilidade para prosperar em terras chineses? Não precisa me responder. Os chineses já constituem uma pequena (em número) mas crescente classe média ou média alta no Brasil, prova definitiva de que a China é que é o país do futuro...

Conclusão

Não há conclusão, está tudo em aberto enquanto este mundo perdurar. Repudio desde já qualquer insinuação de que este é um manifesto ultra-nacionalista. Não pretendo atirar ovos em nenhuma embaixada nem propor cotas por sobrenomes - até porque as cotas universitárias já existentes acabam sendo quase, quase, isso. As imprecisões deste texto podem ser apontadas por qualquer um que pesquise ponto a ponto, mas os matizes de nossa pirâmidade social são estes mesmo, irrite a quem irritar. Se alguém conseguir provar o quase improvável, sorrirei e ficarei agredecido pelo esclarecimento (o 'quase' é para ser 'politicamente correto'). Também observo que não me esqueci de outros imigrantes que constituem nossa história, como espanhóis, bolivianos, etc.
Minha intenção foi apenas refletir sobre essa outra dificuldade da nossa 'democracia racial' de meia-tigela: o Brasil, em dado(s) momento(s), decidiu ajudar alguns e manter outros no que entendia ser 'o lugar deles'. Os negros, por exemplo, depois de 'libertos' foram vítimas de leis persecutórias; a tentativa de 'branquear' a nação enchendo-a de europeus é fato. Os portugueses nos deixaram um legado confuso - muita beleza e uma mistura fantástica, mas também uma descendência desigulamente reconhecida. Como brasileiro 'mestiço' - com muito orgulho! -, meu desejo é ver esse veneno da desigualdade e do preconceito se esvair em prol desse arco-íris (de cores e culturas) que temos. E um país que se orgulhe de si, de cidadãos de cabeça erguida - sem ufanismo tolo, mas também sem complexo de inferioridade.