quinta-feira, março 07, 2013

O santo elefante e os homens (ou "Memórias...", cap.28)


Em abril de 2005, por ocasião da morte do papa João Paulo II, escrevi sobre minha falecida avó materna, cuja imagem no fim da vida me lembrava a de Karol Woytila, o falecido pontífice. Pouco depois, o cardeal alemão Joseph Ratzinger se tornaria Bento XVI, o novo papa, um "papa de transição" segundo os especialistas - sendo um homem de 78 anos, esperava-se que ele não vivesse muito e que em poucos anos acontecesse um novo conclave. Pois bem, oito anos depois, neste mês de março, acontecerá um novo conclave. Mas o papa está vivo, um "ex-papa", alguém que pode dizer para um outro que foi o líder supremo da maior instituição religiosa do mundo! No que não surpreendeu o mundo em sua maneira de conduzir a Igreja Católica - conservador, sem carisma, pouco afeito ao diálogo com o mundo não católico -, Bento XVI, ou melhor, Joseph Ratzinger, teve a ousadia de deixar de ser o Santo Padre e permanecer vivo.

Como não sou católico, e sequer cristão, aparentemente não teria nenhum interesse sobre o que vai acontecer no Vaticano. Mas não posso me dar a esse luxo - nem você, prezado leitor hipotético. Suponho que você, assim como eu, vive num país onde, infelizmente, temos de torcer por uma Igreja Católica relativamente forte, isto é, forte o bastante para conter o avanço de um pentecostalismo irracional (redundância?) que corrói nossa sociedade pouco educada e politicamente apática; mas não tão forte que avance sobre o estado laico e atrapalhe (às vezes simultaneamente aos pentecostais) os avanços civilizatórios que só podem ocorrer quando o homem decide sem a 'opinião' de deus. Assim, enquanto a qualidade da nossa educação for insuficiente para completar nosso processo civilizatório, prefiro um papa (de preferência um brasileiro) do que pastores ávidos por ovelhinhas imbecilizadas.

Ovelhinhas me lembram o meu antigo papel, na igreja da qual fiz parte; e me lembra como somos lobos em pele de ovelhas, distorcendo a expressão. A casa caiu naquele 'Reino' quando o pastor-mor - um tal que, como todos os outros daquela igreja, sei o nome mas relego ao merecido ostracismo - decidiu renunciar à liderança mundial da congregação. Ele teria feito isso, basicamente, porque os seus filhos, os quais víamos em vídeos propagandísticos, tinham 'caído da fé', como costumávamos dizer. Se ele não era capaz de amarrar duas ovelhas de sua própria casa, que dirá milhares pelo mundo? As lideranças abaixo dele na hierarquia começariam a se digladiar pelo poder, o poder sobre mim e outras ovelhinhas. Seguiram-se constrangedores pedidos de desculpas e brigas na nossa igreja; todo aquele tempo fazendo o papel de ovelha fez mal para cada um de seus membros, ansiosos pela libertação de seu lado lobo.

E ser lobo é bom. Muitos já se beijavam, xingavam, se masturbavam, cantavam canções gospel de outras congregações, faltavam aos cultos quando não estavam afim, blasfemavam, conversavam sem medo, tocavam-se sem considerarem-se impuros, dentre outras atividades que lhes eram negadas quando o controle absoluto era a regra. Tudo isso gerou fragmentação, caos, alegria, tristeza...agora posso dizer que foi uma espécie de 'primavera crente', com todas as implicações positivas e negativas de se perder um pastor - ou mesmo um deus, no caso de pessoas como eu.

Por falar em perder um pastor, os venezuelanos acabam de perder Hugo Chávez, cuja maioria do povo daquele país via como uma espécie de apóstolo, ou mesmo um Jesus mestiço. O fascínio em torno de Chávez sem dúvida lembra o de Getúlio, talvez o supere - as cenas de cortejo fúnebre são muito parecidas. Seus filhos choram,  seus inimigos comemoram, ainda que cientes de que o chavismo pode sobreviver à morte de Chávez como o peronismo sobreviveu depois de Perón, sem falar no maior de todos os 'ismos', que não só sobreviveu como eclodiu após o desaparecimento do cara.

Não sabemos ainda quem será o novo papa, mas sabemos que ele virá ao Brasil neste ano, num grande evento que deverá, novamente, lotar o Aterro do Flamengo, no qual passeiam ágeis elefantes. A própria Igreja não pode deixar de ser um gigantesco elefante. Embora eu não goste do estrondo que este elefante muitas vezes provoca e saiba que ele merece adestramento, fico feliz quando pisa em ratos e outros animais rasteiros e nocivos que prometem a salvação mediante suaves prestações, espalhando doenças numa nação ainda sem muitos anticorpos.