Participação política na contemporaneidade
Acabo de estudar o texto "Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos", do francês Benjamin Constant. Tinha de estudar o texto, pois seu conteúdo será cobrado em prova da disciplina Filosofia Social e Política I, no curso de Filosofia da Uerj - do qual sou aluno. Mas, embora houvesse a obrigação (não moral, mas prática) da leitura, fazê-la foi prazeroso a ponto de me esquecer do contexto 'aluno-prova-professor'. É um texto produzido na primeira metade do século XIX, numa França que vivera poucas décadas antes uma revolução burguesa. No entanto, que atualidade! Que vontade me provocou de pensar sobre as questões levantadas!
O autor discorre sobre liberdade individual e liberdade política, diferenciando a vivência dessas liberdades na Antigüidade e na Idade Moderna (ou seja, o tempo no qual vivia Constant). Com muita clareza, o pensador explica que a liberdade dos estados antigos os quais o Ocidente tem como referência - Roma, Atenas, etc - era centrada no exercício direto do poder pelos cidadãos. Importante frisar aqui que nem todos - na verdade, a minoria - da população desses estados eram considerados cidadãos. Mulheres, escravos e outras "minorias" eram privados desta participação política. Assim, os homens livres, todos eles, tinham peso político considerável, participando diretamente de todas as decisões acerca da cidade-estado.
Porém o custo dessa liberdade política era a perda da liberdade individual. Isto é: para manterem-se fortes e coesos, cada estado precisava controlar, em todos os aspectos, a vida de cada indivíduo. Mesmo os homens que tinha força para deliberar eram escravos dessa coletividade. Hábitos que hoje reconhecemos como estritamente particulares - religião, expressão, idiossincrasias... - eram perscrutados pelo estado. A censura era legitimada pelos próprios costumes - era, enfim, vista como uma necessidade, um sacrifício pelo bem do estado. Quem sabe como Sócrates morreu já tem um exemplo ilustrativo dessa preponderência da política sobre o indivíduo. Para quem não conhece: Sócrates foi julgado e condenado à morte pelo estado ateniense, por ser considerado subversivo aos valores do estado - ele desviaria os jovens, fazendo-os, por exemplo, questionar o valor do culto aos deuses tão estimados, protetores da cidade.
As diversas mudanças ao longo da história, entre elas o próprio crescimento das cidades, pôs em xeque a manutenção dessa sistema de participação política direta. O número de cidadãos livres aumentava muito, sendo o peso político de cada um decrescente. Com o fim da escravidão, não havia "formiguinhas" para fazer o trabalho pesado, utilitário, enquanto os homens livres deliberavam; a indústria e o comércio passariam a manter todos ocupados nas tarefas do dia-a-dia. Como reunir milhares e milhares (ou milhões) de pessoas para se chegar a um consenso sobre o que deve ser feito acerca de todas as necessidades sociais? O cidadão moderno não pode mais exercer, enfim, a mesma participação nos rumos de sua cidade ou de seu país - o que é ainda mais complicado! -, nem é mais tolerável, no Estado de Direito, que o indivíduo submeta sua vida particular aos interesses do coletivo (e que coletivo é esse, cada vez mais amorfo?).
O grande desafio é conciliar a liberdade individual conquistada com o exercício da liberdade política. A esta conclusão chegou Constant - conclusão a qual tantos depois dele reafirmaram. O sistema de representatividade - eleger parlamentares e governantes que teoricamente farão o que o povo quer -, com todas as suas dificuldades, aparece ainda como a alternativa efetivamente factível. Porém, o indivíduo moderno ou pós-moderno, cada vez mais envolvido com questões particulares - e crescentemente incitado, por exemplo, pelos mídia, a buscar mesmo o seu bem-estar acima de tudo -, não se vê como efetivo ator político. Ele continua votando - geralmente, quando o voto é obrigatório - , mas as inúmeras questões políticas são, para a grande maioria, incompreensíveis ou simplesmente desagradáveis. É melhor apenas correr atrás de seu conforto e, no máximo, do conforto de sua família. Pensar no bem-estar dos demais cidadãos é uma tarefa pesada demais. A muitos, especialmente no chamado Terceiro Mundo, faltam recursos educacionais, sendo a sobrevivência, de fato, a única razão da vida. Como mudar isso, haja vista ser inegável a importância da participação política?
As leis dizem, quase sempre - e aqui volta-se a enfatizar o foco nas chamadas sociedades democráticas - , que "todo poder emana do povo, que o exerce através de representantes ou diretamente". Pensando em Brasil, este é um trecho de nossa Constituição - veja os "Fundamentos da República". No entanto, quem de fato exerce a liberdade política no nosso país? Parece que só os 'políticos profissionais', a elite econômica e, ainda que muitas vezes sem muita influência, uma 'minoria politizada'. Quem questiona o deputado, o prefeito, o presidente...? Você e eu somos aqui essa maioria "apolítica" ou estamos na ágora*? O jurista Dalmo de Abreu Dallari afirmou algo instigante aos ouvidos de qualquer um ainda interessado minimamente em participar ativamente da história política de seu país, de seu estado, de sua cidade - aqui o parafraseio: todos são políticos, mesmo que se recusem a exercer a participação política; e, enquanto eu acho a política "um saco" e me esforço apenas em ganhar dinheiro e/ou obter algum privilégio, os profissionais da política decidem - por mim, mas muitas vezes não a meu favor nem a favor dos muitos apáticos. Esse experts costumam adorar a passividade política dos leigos.
* a ágora era o lugar no qual os atenienses - "criadores" da democracia - reuniam-se para deliberar sobre os rumos da cidade.
O autor discorre sobre liberdade individual e liberdade política, diferenciando a vivência dessas liberdades na Antigüidade e na Idade Moderna (ou seja, o tempo no qual vivia Constant). Com muita clareza, o pensador explica que a liberdade dos estados antigos os quais o Ocidente tem como referência - Roma, Atenas, etc - era centrada no exercício direto do poder pelos cidadãos. Importante frisar aqui que nem todos - na verdade, a minoria - da população desses estados eram considerados cidadãos. Mulheres, escravos e outras "minorias" eram privados desta participação política. Assim, os homens livres, todos eles, tinham peso político considerável, participando diretamente de todas as decisões acerca da cidade-estado.
Porém o custo dessa liberdade política era a perda da liberdade individual. Isto é: para manterem-se fortes e coesos, cada estado precisava controlar, em todos os aspectos, a vida de cada indivíduo. Mesmo os homens que tinha força para deliberar eram escravos dessa coletividade. Hábitos que hoje reconhecemos como estritamente particulares - religião, expressão, idiossincrasias... - eram perscrutados pelo estado. A censura era legitimada pelos próprios costumes - era, enfim, vista como uma necessidade, um sacrifício pelo bem do estado. Quem sabe como Sócrates morreu já tem um exemplo ilustrativo dessa preponderência da política sobre o indivíduo. Para quem não conhece: Sócrates foi julgado e condenado à morte pelo estado ateniense, por ser considerado subversivo aos valores do estado - ele desviaria os jovens, fazendo-os, por exemplo, questionar o valor do culto aos deuses tão estimados, protetores da cidade.
As diversas mudanças ao longo da história, entre elas o próprio crescimento das cidades, pôs em xeque a manutenção dessa sistema de participação política direta. O número de cidadãos livres aumentava muito, sendo o peso político de cada um decrescente. Com o fim da escravidão, não havia "formiguinhas" para fazer o trabalho pesado, utilitário, enquanto os homens livres deliberavam; a indústria e o comércio passariam a manter todos ocupados nas tarefas do dia-a-dia. Como reunir milhares e milhares (ou milhões) de pessoas para se chegar a um consenso sobre o que deve ser feito acerca de todas as necessidades sociais? O cidadão moderno não pode mais exercer, enfim, a mesma participação nos rumos de sua cidade ou de seu país - o que é ainda mais complicado! -, nem é mais tolerável, no Estado de Direito, que o indivíduo submeta sua vida particular aos interesses do coletivo (e que coletivo é esse, cada vez mais amorfo?).
O grande desafio é conciliar a liberdade individual conquistada com o exercício da liberdade política. A esta conclusão chegou Constant - conclusão a qual tantos depois dele reafirmaram. O sistema de representatividade - eleger parlamentares e governantes que teoricamente farão o que o povo quer -, com todas as suas dificuldades, aparece ainda como a alternativa efetivamente factível. Porém, o indivíduo moderno ou pós-moderno, cada vez mais envolvido com questões particulares - e crescentemente incitado, por exemplo, pelos mídia, a buscar mesmo o seu bem-estar acima de tudo -, não se vê como efetivo ator político. Ele continua votando - geralmente, quando o voto é obrigatório - , mas as inúmeras questões políticas são, para a grande maioria, incompreensíveis ou simplesmente desagradáveis. É melhor apenas correr atrás de seu conforto e, no máximo, do conforto de sua família. Pensar no bem-estar dos demais cidadãos é uma tarefa pesada demais. A muitos, especialmente no chamado Terceiro Mundo, faltam recursos educacionais, sendo a sobrevivência, de fato, a única razão da vida. Como mudar isso, haja vista ser inegável a importância da participação política?
As leis dizem, quase sempre - e aqui volta-se a enfatizar o foco nas chamadas sociedades democráticas - , que "todo poder emana do povo, que o exerce através de representantes ou diretamente". Pensando em Brasil, este é um trecho de nossa Constituição - veja os "Fundamentos da República". No entanto, quem de fato exerce a liberdade política no nosso país? Parece que só os 'políticos profissionais', a elite econômica e, ainda que muitas vezes sem muita influência, uma 'minoria politizada'. Quem questiona o deputado, o prefeito, o presidente...? Você e eu somos aqui essa maioria "apolítica" ou estamos na ágora*? O jurista Dalmo de Abreu Dallari afirmou algo instigante aos ouvidos de qualquer um ainda interessado minimamente em participar ativamente da história política de seu país, de seu estado, de sua cidade - aqui o parafraseio: todos são políticos, mesmo que se recusem a exercer a participação política; e, enquanto eu acho a política "um saco" e me esforço apenas em ganhar dinheiro e/ou obter algum privilégio, os profissionais da política decidem - por mim, mas muitas vezes não a meu favor nem a favor dos muitos apáticos. Esse experts costumam adorar a passividade política dos leigos.
* a ágora era o lugar no qual os atenienses - "criadores" da democracia - reuniam-se para deliberar sobre os rumos da cidade.