sábado, abril 30, 2005

Participação política na contemporaneidade

Acabo de estudar o texto "Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos", do francês Benjamin Constant. Tinha de estudar o texto, pois seu conteúdo será cobrado em prova da disciplina Filosofia Social e Política I, no curso de Filosofia da Uerj - do qual sou aluno. Mas, embora houvesse a obrigação (não moral, mas prática) da leitura, fazê-la foi prazeroso a ponto de me esquecer do contexto 'aluno-prova-professor'. É um texto produzido na primeira metade do século XIX, numa França que vivera poucas décadas antes uma revolução burguesa. No entanto, que atualidade! Que vontade me provocou de pensar sobre as questões levantadas!
O autor discorre sobre liberdade individual e liberdade política, diferenciando a vivência dessas liberdades na Antigüidade e na Idade Moderna (ou seja, o tempo no qual vivia Constant). Com muita clareza, o pensador explica que a liberdade dos estados antigos os quais o Ocidente tem como referência - Roma, Atenas, etc - era centrada no exercício direto do poder pelos cidadãos. Importante frisar aqui que nem todos - na verdade, a minoria - da população desses estados eram considerados cidadãos. Mulheres, escravos e outras "minorias" eram privados desta participação política. Assim, os homens livres, todos eles, tinham peso político considerável, participando diretamente de todas as decisões acerca da cidade-estado.
Porém o custo dessa liberdade política era a perda da liberdade individual. Isto é: para manterem-se fortes e coesos, cada estado precisava controlar, em todos os aspectos, a vida de cada indivíduo. Mesmo os homens que tinha força para deliberar eram escravos dessa coletividade. Hábitos que hoje reconhecemos como estritamente particulares - religião, expressão, idiossincrasias... - eram perscrutados pelo estado. A censura era legitimada pelos próprios costumes - era, enfim, vista como uma necessidade, um sacrifício pelo bem do estado. Quem sabe como Sócrates morreu já tem um exemplo ilustrativo dessa preponderência da política sobre o indivíduo. Para quem não conhece: Sócrates foi julgado e condenado à morte pelo estado ateniense, por ser considerado subversivo aos valores do estado - ele desviaria os jovens, fazendo-os, por exemplo, questionar o valor do culto aos deuses tão estimados, protetores da cidade.
As diversas mudanças ao longo da história, entre elas o próprio crescimento das cidades, pôs em xeque a manutenção dessa sistema de participação política direta. O número de cidadãos livres aumentava muito, sendo o peso político de cada um decrescente. Com o fim da escravidão, não havia "formiguinhas" para fazer o trabalho pesado, utilitário, enquanto os homens livres deliberavam; a indústria e o comércio passariam a manter todos ocupados nas tarefas do dia-a-dia. Como reunir milhares e milhares (ou milhões) de pessoas para se chegar a um consenso sobre o que deve ser feito acerca de todas as necessidades sociais? O cidadão moderno não pode mais exercer, enfim, a mesma participação nos rumos de sua cidade ou de seu país - o que é ainda mais complicado! -, nem é mais tolerável, no Estado de Direito, que o indivíduo submeta sua vida particular aos interesses do coletivo (e que coletivo é esse, cada vez mais amorfo?).
O grande desafio é conciliar a liberdade individual conquistada com o exercício da liberdade política. A esta conclusão chegou Constant - conclusão a qual tantos depois dele reafirmaram. O sistema de representatividade - eleger parlamentares e governantes que teoricamente farão o que o povo quer -, com todas as suas dificuldades, aparece ainda como a alternativa efetivamente factível. Porém, o indivíduo moderno ou pós-moderno, cada vez mais envolvido com questões particulares - e crescentemente incitado, por exemplo, pelos mídia, a buscar mesmo o seu bem-estar acima de tudo -, não se vê como efetivo ator político. Ele continua votando - geralmente, quando o voto é obrigatório - , mas as inúmeras questões políticas são, para a grande maioria, incompreensíveis ou simplesmente desagradáveis. É melhor apenas correr atrás de seu conforto e, no máximo, do conforto de sua família. Pensar no bem-estar dos demais cidadãos é uma tarefa pesada demais. A muitos, especialmente no chamado Terceiro Mundo, faltam recursos educacionais, sendo a sobrevivência, de fato, a única razão da vida. Como mudar isso, haja vista ser inegável a importância da participação política?
As leis dizem, quase sempre - e aqui volta-se a enfatizar o foco nas chamadas sociedades democráticas - , que "todo poder emana do povo, que o exerce através de representantes ou diretamente". Pensando em Brasil, este é um trecho de nossa Constituição - veja os "Fundamentos da República". No entanto, quem de fato exerce a liberdade política no nosso país? Parece que só os 'políticos profissionais', a elite econômica e, ainda que muitas vezes sem muita influência, uma 'minoria politizada'. Quem questiona o deputado, o prefeito, o presidente...? Você e eu somos aqui essa maioria "apolítica" ou estamos na ágora*? O jurista Dalmo de Abreu Dallari afirmou algo instigante aos ouvidos de qualquer um ainda interessado minimamente em participar ativamente da história política de seu país, de seu estado, de sua cidade - aqui o parafraseio: todos são políticos, mesmo que se recusem a exercer a participação política; e, enquanto eu acho a política "um saco" e me esforço apenas em ganhar dinheiro e/ou obter algum privilégio, os profissionais da política decidem - por mim, mas muitas vezes não a meu favor nem a favor dos muitos apáticos. Esse experts costumam adorar a passividade política dos leigos.

* a ágora era o lugar no qual os atenienses - "criadores" da democracia - reuniam-se para deliberar sobre os rumos da cidade.

quinta-feira, abril 28, 2005

Atualizando...

Poema ordinário (da identidade)

Um copo é um copo;
Um caderno, um caderno;
um, um;
eu sou eu, pensou Arnaldo,
ela é ela,
o cara é o cara,
os dois são os dois,
pfm, eu sou eu mesmo.

um corpo é um corpo;
uma alma, uma alma;
Romeu é Romeu,
Ulisses, Ulisses,
Aquiles, Aquiles,
Davi, Davi,
Lampião, Lampião,
Salomão, Salomão,
Arnaldo é Arnaldo,
O Chorão.

um beijo de língua é um beijo de língua;
suspiro de inveja é suspiro de inveja;
Otelo é Otelo,
O céu é o céu,
José é José,
Diabo é Diabo,
Maria é Maria,
Jesus é Jesus,
Bentinho, Bentinho,
Trepar é trepar,
Singrar é singrar,
Arfar é arfar,
Amar é amar,
Sidarta é Sidarta,
Romeu é Romeu,
vicário de poeta
sou eu

terça-feira, abril 12, 2005

O santo homem e os elefantes

Algumas horas depois da morte de Karol Woytila, ruminei meus pensamentos sobre ele. Falo de todas as lembranças, imagens, adjetivos, a canção "O papa é pop", o ano em que houve missa no Aterro "com mais de um milhão de pessoas", do seu semblante cansado nos últimos anos, daquele "chapéu", de tudo enfim que acreditava ser o próprio João Paulo II. "O papa é direita", dizia entre alguns amigos; "o papa é o chefe de uma garnde farsa religiosa chamada Igreja Católica, uma farsa muito bem arquitetada, uma instituição poderosíssima, autoritaríssima e reacionária", etc. O que ninguém ainda sabe, mas eu já sabia, é que quando via o papa cansado, fisicamente fraco, aparentemente triste, com a mão aparando o rosto cabisbaixo, lembrava às vezes de minha falecida avó paterna, a vovó Alzira. Ela não era exatamente católica; na verdade, parecia crer muito em algo, um tipo de crença que transcende religiões.

Talvez esteja exagerando, mas são lembranças da minha infância. Comparo este homem que se foi com esta mulher que se foi bem antes porque os dois - para a criança e o adolescente que fui, para o recém-adulto que sou - pareciam aguardar alguma resposta divina para os seus anseios, pondo as mãos em seus respectivos rostos já tão velhinhos. E quantos não fazem o mesmo por este mundo? De alguma maneira eles são influentes em minha vida - hoje, a vida de um agnóstico. Talvez tenham simplesmente desaparecido, como minha razão supõe e meu coração teme. Eu não quero desaparecer. O engraçado é que, se de fato desaparecermos, não poderemos dizer "nossa! desapareci!". Nunca iremos constatar nosso desaparecimento. A Nova Jerusalém do Apocalipse bíblico é absurda, irracional, mas confesso que quando vejo algum crente que me desparta verdadeira admiração indo embora dessa vida sou capaz de desejar que esse absurdo, pelo menos para aquela alma, se concretize.

Mas o assunto é mesmo o desaparecimento do papa. Quem crê em Paraíso ou em Passárgada não se ofenda: para os vivos, pelo menos, a morte de alguém é sempre um desaparecimento. "Pra onde ele foi?". "Existe vida após a morte?". O problema não é falta de resposta, e sim o fato de haver resposta, mas esta ser inverificável por nós enquanto viventes. O papa não falava tanto do Inferno, creio, mas Cristo garantiu que o lugar existe. Para onde estariam indo os donos da grande mídia nacional, essa mídia (a exceção da Record de Macedo) tão católica e espetacular, como pudemos ver no enterro de Woytila e como vemos todo dia? Pra onde foi Roberto Marinho? Para onde irá o judeu Sílvio Santos? O papa terá um sucessor, pode ser até um latino-americano, quem sabe um brasileiro, mas e se João Paulo II desapareceu? E se minha vó desapareceu? Mas o que é desaparecer, diante da memória? E o que é memória , se desapareceremos?

Mas, se vamos desaparecer ou não isso fica para depois. Lembra que o papa é sempre chamado de "Sua Santidade, o papa"? Por que então, a Igreja Católica vai aferir se Woytila foi santo, ou beato? O conceito genuíno de santidade, a idéia elaborada pelo cristianismo primitivo, desapareceu em Roma, talvez no meio dos papéis da burocracia eclesiástica. Antes, qualquer seguidor de cristo era santo; um dia Santa Sé descobriu a propriedade privada da fé: a santidade de poucos, muito poucos. Em breve, então, saberemos se a instituição que se diz portadora das chaves do céu irá nos dizer se o "santo padre" é mesmo santo. Eles não sabem. Nem nós. Só sabemos que João Paulo II "pregou no deserto" contra o capitalismo crente - cruel e cínico, mas jamais ateu - e contra o socialismo ateu - às vezes generoso, mas nunca fiel a Deus. Sim, também sabemos que o papa levou um tiro à queima-roupa, e que o pop não poupa sequer o atirador redimido. Os santos parecem os elefantes que passeiam pelo Aterro outrora visitado pelo papa. Você nunca viu elefantes no Aterro? Pois é, os danados são tão rápidos que sempre arrumam um jeito de se esconder...

domingo, abril 03, 2005

Sites bacanas

Vou aprender a colocar links neste blog (deve ser ridículo de tão fácil, não?). Enquanto isso, deixo aqui uma listinha de sites cujo conteúdo considero relevante:

www.filosofia.pro.br - do professor paulista Paulo Ghiraldelli Jr., tem ótimos artigos
'Pausa para Filosofia' (o site, se não me engano, é www.pfilosofia.org.br) - repleto de material de ótima qualidade, não só de Filosofia como de revistas e sites muito bons (Caros Amigos, Le Monde Diplomatique, Em Crise, etc.), inclusive pensamento oriental. Se o site não for o supracitado, entrem pelo Google (busca "Pausa para Filosofia").
www.mv-brasil.org.br - o do "Haloween é o cacete!". Embora pareça caricato, o site do movimento é bem interessante, cheio de informações não valorizadas pela grande mídia.
www.nova-acropole.org.br - Da ONG Nova Acrópole, dedicada à Filosofia e ao humanismo em geral (em "humanismo" inclua também o olhar oriental).

Havia outros portais, desculpem, agora estou com pressa...