domingo, julho 30, 2006

Heloísa Helena (do estar 'contra todos')

A Previdência Social brasileira precisa de reformas urgentes. Os gastos com aposentados e pensionistas cresce cada vez mais do que a capacidade do Estado em arrecadar e pagar. Verdade inquestionável, um problema que todos os presidenciáveis se propõem a tentar resover. Uma ova! Heloísa Helena, por exemplo, garante que não há défict previdenciário nenhum. Quem diz a verdade? Não sei. Mas Helóisa se arriscou: reafirmou o que pensa à reportagem do Jornal Nacional. Milhões (muitos milhões) de espectadores viram-na desdenhar das preocupações de Alckmin, Lula, Buarque, etc - inclusive da própria Rede Globo e suas matérias em série.
Repito que não sei quem está certo, mas admiro a coragem da senadora. O que pensaram os moradores do Leblon e de Ipanema - por exemplo - que pensam em votar na candidata do PSOL? Ela tem um 'patrimônio eleitoral' a arriscar - Rui Pimenta, do PCO, deve pensar o mesmo que ela, mas não tem nem 1% de preferência nas pesquisas, enquanto Heloísa flutua entre 8 e 10%.
Essa polêmica, se o for, é bem vinda. Falsas verdades absolutas, cuspidas aos quatro cantos por 'notáveis' jornalistas e especialistas sabem-tudo, só servem para engabelar a massa e sabotar ainda mais a nossa capacidade de pensar. Que tal fóruns de discussão sobre a Previdência? Não somos nós os contribuintes? A grande questão é tornar-se um cidadão de verdade, atuante, interessado, bem informado - ainda que não se tenha diploma de economia, ciências sociais ou qualquer outro pretexto para este apartheid (de um lado o clubinho dos sabidos, de outro a massa passiva, apática e sem noção do que seus 'representantes' decidem).

Ainda sobre Sócrates e 'A República'

Quanto mais falamos, mais estamos perto de pecar, teria dito - com toda razão - o Sábio em Eclesiastes (ou seria em Provérbios?). Gostaria de fazer mais algumas observações sobre minha leitura de 'A República' e aproveitar para tentar melhorar minhas considerações sobre o 'mundo das idéias' platônico.
Vamos lá...'o mundo das idéias': da maneira que expus antes, muito grosso modo, posso levar o leitor a confundir a teoria de Platão com a de Aristóteles. Digo isto porque este também teorizava sobre idéias universais, porém concebendo-as de maneira empírica - ou seja: Platão correlacionava as 'coisas' concretas a idéias imateriais, com estas determinando aquelas, enquanto que seu discípulo (sim, discípulo) Aristóteles partia do concreto para se chegar ao abstrato. Para exemplificar: uma andorinha, para Platão, seria cópia da idéia de andorinha; já na visão aristotélica, uma andorinha não seria cópia de idéia nenhuma - o que posso fazer, mediante a razão, é observar características comuns entre andorinhas, gaviões, galinhas, rouxinóis e todos os pássaros, chegando ao conceito 'pássaro' (soma de caracteres comuns a todos os pássaros). Daí a necessidade de um esclarecimento meu, porque falei do 'conceito de ser humano', por exemplo, de maneira muito mais aristotélica que socrática/platônica. Bem, esta história é longa e merece estudos que nenhum blogueiro ignorante (ainda que esforçado) pode dar conta...
Mas então, quando anteriormente teci comentários sobre 'A República', me ative aos aspectos mais relacionados ao escopo da Ciência Política - boa governança, autoridade, interesses comuns a todos. É claro que ao considerar preconceituosas certas posições de Platão eu mesmo fui preconceituoso e assumi meu anacronismo. Não é tão simples criticar a eugenia do Estado ideal do autor; o mesmo se aplicando a todas as demais polêmicas que a obra suscita, como a censura nos campos cultural e educacional - afinal, nós pensamos sempre, aqui e alhures, na necessidade de limites; liberdade absoluta é um sonho tremendamente questionável. Aliás, liberdade mesmo não pressupõe duvidar e colocar em xeque a tal 'liberdade'? Quem é livre mesmo pode querer abrir mão da liberdade e considerá-la até um grande problema, uma droga (em todos os sentidos). Muitas discussões deliciosas ainda vão acontecer sobre tudo isso.
Decidi ler 'A República' na esperança de visualizar mesmo uma utopia daquelas de nos fazer levantar da cadeira, bater no peito e dizer 'é possível! Vamos à luta, gente!'. É até engraçado: não foi nada disso que encontrei. Mas encontrei idéias muito instigantes, ainda que muitas vezes desagradáveis, e fortes indícios de que seu autor é mesmo tão genial quanto diz a História da Filosofia. Se a concepção platônica dos diferentes caracteres humanos e das diferenças entre sexos são passíveis de esquecimento, e daí? E dái, se a separação entre racional (mente), emocional (coração) e concupscível (prazeres 'primitivos') for rígida demais, namorando o irreal por não observar com o devido cuidado o imbricamento entre as três instâncias?
Sócrates e Platão, como todos os grande pensadores que vieram e virão, indicaram caminhos, viram além, observaram o que costuma passar despercebido, ajudaram a humanidade a se conhecer melhor - ainda que o desconhecimento (seja inocência ou ignorância) seja, por tempo indeterminado, nosso chão. O que é o homem? O que é existir? O que é o bem? Nenhum deles nos deu respostas definitivas (por mais que muitos queiram se enganar ou sejam enganados), mas reafirmaram a necessidade e a beleza de perguntar e continuar perguntando.

sábado, julho 22, 2006

Pra não dizer que não falei de Sócrates

Dissera que este blog iria renascer. Não aconteceu. Mas, como ele também não morreu ainda, estando apenas em coma, minha promessa não se quebrou.
Gostaria de registrar agora minhas primeiras impressões sobre 'A República', obra de Platão lida pelo blogueiro nas últimas semanas. São mesmo impressões que, espero eu, serão melhor desenvolvidas com mais leitura, reflexão e diálogos.
Bem, um alerta importante a ser dado a quem não sabe é que Platão foi discípulo de Sócrates; este nada escreveu de próprio punho, mas teve suas idéias registradas pelo pupilo de ombros largos (daí 'Platão' - grandes omoplatas?). Outra ressalva fundamental: há controvérsias acerca de quanto da obra socrática conservada em escritos é mesmo de Sócrates - Platão teria desenvolvido muitas idéias próprias tendo como personagem seu mestre. 'A República', salvo engano, é um desses livros em que Sócrates apregoaria diversas idéias platônicas.
O 'mundo das idéias' de Platão teria como ponto de partida a idéia de 'conceito' socrática (tentem entender o que o blgoeuiro vos fala). Isto é, Sócrates teria asseverado que o mundo 'concreto' - o que é acessível aos sentidos humanos - é apenas cópia do mundo imaterial das idéias, sendo estas acessíveis apenas pela razão. Assim, posso por exemplo ver uma pessoa, mas a idéia (ou conceito) de ser humano, que diria respeito a todos e a nenhum específico, só posso alcançar através da minha capacidade racional. Outro exemplo: posso praticar uma ação justa, mas idéia de justiça, a justiça em si, só o pensamento pode apreender.
Mas o que gostaria de observar aqui são as propostas de Sócrates/Platão para a construção de um governo justo, pois algumas, não obstante meu anacronismo, surpeenderam-me pelo caráter autoritário e preconceituoso. Muito provavelmente, alguns dos grandes ditadores da história se inspiraram em certas colocações de 'A República': censura no campo cultural, eugenia, relações internacionais (ou entre cidades-estado), construção de mitos para controlar a massa...confesso que cheguei a ficar com raiva dos dois mestres atenienses.
No entanto, a obra é leitura deliciosa, com observações geniais sobre o comportamento humano e põe o dedo nas feridas da má governança. Podemos ver a ganância, a vaidade e a futilidade do poder mau exercido sendo agudamente analisada e criticada. Podemos ver também como o ser humano é capaz de sonhar, pois a república socrática/platônica é assumidamente utópica, sendo sua perfeita realização praticamente impossível - principalmente (e infelizmente) no que tem de belo: valorização do saber e do caráter acima do dinheiro e do calculismo ávido; desprezo ao 'berço de ouro', em favor da capacidade do indivíduo; a política como instrumento de felicidade, de realização humana em detrimento de clubinhos e conchavos. Não precisamos dos defeitos dessa obra, mas suas qualidades são atemporais e seguirão perdurando na viagem humana.