terça-feira, abril 22, 2008

Aspirações de um aspirante

Que grande poeta é Drummond! Como um grande poeta é capaz de nos fazer pensar, mesmo sobre as coisas mais dolorosas, com tanta beleza! Eu me delicio lendo Drummond. Como um aspirante a poeta que sou, tenho Carlos Drummond de Andrade como um norte nessa que é 'a luta mais vã' e tão necessária, a luta com as palavras, tentando superar minha incapacidade de dizer.
Perto de Drummond, sinto pena dos poemas que escrevo; não só dos meus poemas, que não são muitos, mas especialmente deles. No entanto, sigo escrevendo, nem que seja para servir de anti-exemplo...seria melhor para você, leitor, que eu reproduzisse aqui alguns dos belos e profundos poemas daquele pensador de Minas; mas entenda, este espaço aqui é para dar voz a um aspirante. Drummond merece mais.
Abaixo, algumas tentativas minhas:

Postais

Índios perfilados: cultura brasileira
As nádegas, o Cristo
E tudo isto que é tudo isso,
Padim Ciço, cataratas,
As verdes matas (ó imagem congelada!),
Céu arranhado, viço, mulatas, bandeira

E eu, um fantasma embasbacado
Orgulhoso, estou lá e não existo
Vejo a mim mesmo, como o prometido
Permaneço anônimo, sinônimo, lindo

Amo a cidade, desconheço os habitantes
Louvo a arte e ignoro o artista
Amo o mundo, não sei do que se trata
Porque tudo sou eu, criatura que registra,
Efêmera assembléia de sintagmas

Ambulância

Corrotentandoperpassarotráfegodosmeuspensamentos.
Abri a boca
E
Decidinãotrocartentativasporfrustraçõesporque
Porque, decidi.
Esequemestiverlendoestetextotrêmulonãoforeumesmo
Doumeurostoaosmurosmurrosmurmúriossãosinais
Nasincer tezasdasfai xas deped estres
O homem éansiadesdeainfância
Quero chegar
São
E salvo.

Pretensão

Ô moço, uma letra, por favor.
Pra quem quer aprender,
carpinteiro a carpir,
costureira a coser.

E o verso melhora
à medida que invoca
o saber milenar
da faísca atrevida.
Vida.

E o desejo de alguém
do sorriso de alguém,
da resposta de alguém,
faz valer a tensão.
São.

sábado, abril 19, 2008

Sobre plagiar

O único álibi do plagiador é sua ignorância...alguém já deve ter dito isto.

segunda-feira, abril 14, 2008

praticando...

Um poema: "O sentido da vida"

Você dobra à direita,
segunda à esquerda,
segue a vida toda
(até a morte),
contorna no viaduto,
ignora as placas
e os arbustos,
desconfia dos profetas,
pega a rua que sobe,
espera em vão,
avança se preciso,
vai ver uma bifurcação,
dobra p'ra qualquer lado,
vai ver o inevitável,
segue em zigue-zague,
não esquece o mapa,
vai ver que é improvável,
escapa pelo meio,
na oitava curva em 'U',
vai ver o que já viram,
não dobra à direita,
não vira à esquerda,
não existe linha reta,
segue andando em círculos,
vai ver o que quiser
logo adiante:
lá você pergunta de novo.

sexta-feira, abril 11, 2008

A NOITE (E O DIA)

Se eu falar sobre a noite não poderei deixar de falar sobre o dia; afinal, uma só existe por causa do outro - se 'as trevas' reinarem não haverá mais nem dia nem noite, mas alguma coisa escura, muito escura, apenas, e não me venham com astronomia, nem me venham com apartes científicos, pois meu raciocínio é evidente: dia e noite são conceitos, são criações do homem (se é que 'criações do homem' não é mera redundância). Para o Sol, imaginando ser o Sol um ente pensante, tudo é luz, tudo é 'dia' a seu redor.
Hoje à tarde eu estava deitado no meu sofá-cama, quieto em meu minúsculo e acolhedor apartamento, num ângulo em que, pela janela, só via o azul claro do céu; era lindo, me tranqüilizava, e de repente me veio aquela nossa velha história: esse azul-claro é uma ilusão, esse azul-claro vai desaparecer pra sempre quando o Sol deixar de emanar luz. Que grande bobagem! O céu azul é tão verdadeiro e tão ilusório quanto o próprio Sol e as demais estrelas (tantas são as estrelas apagadas que ainda vemos, atrasados no tempo...).
Falar de ilusão, ou de ilusões, é quase como falar sobre o nada - quase: ilusão é inerente à existência (existência do homem, redundância), então porque dizer que não existe, que não é real?
Um dia, conversando com um amigo, ele me falou sobre sua admiração pela noite, ressaltando uma característica: as noites são sempre diferentes. De dia trabalhamos, cumprimos o horário comercial, o horário da escola, abarrotamos as ruas e é tudo tremendamente previsível; na calada da noite, com as ruas vazias, com o rincípio da realidade tão enfraquecido, há muito mais espaço para o inusitado, para o misterioso, para o secreto, para alguma revelação abafada pela luz do Sol. É claro que estamos idealizando, ou generalizando, pois há muitos que cumprem seus rituais mais rotineiros à noite, ganhando a vida, ou morrendo mais. No entanto, como generalizar é necessário, a comparação entre dia e noite e os argumentos do meu amigo são pertinentes.
Mas não posso deixar de contraargumentar a favor do dia, fazendo aqui o que não fiz quando da conversa sobre a noite. Então digo: a noite pode ser mais instigante e misteriosa, porém o dia é mais democrático. Porque de dia (quase) todos temos de transitar; de dia podemos compartilhar a luz do Sol; de dia temos mais chances de encarar nossos preconceitos e de exercitar nossa paciência, nossa generosidade para com os outros; de dia, nossa capacidade de sermo gentis é muito mais testada, ainda que, tantas vezes, com respostas frustrantes. Isto sem falar do mais óbvio, hoje em dia: a violência urbana torna a noite das cidades um território cuja hegemonia é da criminalidade, enquanto os cidadãos buscam o refúgio do lar.
Para finalizar essa divagação sobre dia e noite, tenho em mente a novela 'A morte e a morte de Quincas Berro D'Água', de Jorge Amado, que li há poucos dias. O dia e a noite são cotejados lavando-se em conta a divisão entre 'as pessoas de bem' e os 'vagabundos', a velha dicotomia 'mundo'/'submundo' das grandes cidades. É verdade que estes coexistem dia e noite, mas é à noite que o submundo esfrega sua existência na cara da cidade e dos cidadãos e ri dos horários comerciais e das conveniências. Quincas Berro D'Água - boêmio, vagabundo, beberrão, iconoclasta - é a antítese de si mesmo, Joaquim Soares da Cunha, cidadão exemplar, pai de família, conformado com suas obrigações de 'homem de bem'. Só que esse homem de bem, que na verdade é tremendamente infeliz, se cansou de sua condição e foi viver o princípio do prazer. E é à noite que, triunfalmente, Quincas Berro D'Água rechaça a última tentativa de sua família de enquadrá-lo na condição de homem de bem que tanto o oprimia.
A mim, que sempre me considerei (ou me conformei em ser) uma criatura do dia, cabe concordar com aquele amigo sobre as qualidades da noite, mesmo refugiado em meu pequeno apartamento.

terça-feira, abril 08, 2008

Republicação de um conto (quem não tem idéias novas...)

Estive relendo este conto que escrevi em 2005 - o único conto que escrevi até hoje. Pareceu-me apropriado republicá-lo, porque hoje devo ter mais leitores, ou ao menos alguns leitores mais interessados. Talvez. Como não estou com nada novo definido em minha cabeça, lá vai:


"A FICÇÃO NO CENTRO DO RIO"

Bem barato, instigante e pouco arriscado – ainda que o suficiente pra deixar minhas mãos levemente gélidas. Saí decidido do trabalho; não, minto, estava decidido mesmo quando lembrei de um cara que panfletava esse serviço naquela área, perto do metrô e longe o suficiente do meu “Big Brother Imaginário”. “Só 10 reais, pra mim que costuma pagar 50, até 80...”, pensei de novo.

Aí atravessei aquelas ruas todas até avistar um daqueles caras. “É impressionante! Quando eu não estou nem um pouco afim sempre aparece um; agora que eu decidi, uma dificuldade pra pegar o papelzinho...”. O cara parecia preocupado com a polícia, mas devia ser só uma preocupação corriqueira – se não ele ficava mais escondido. “Porra, eu tive que PEDIR o papel pro infeliz. Ele não me viu passando? Não viu que eu podia estar afim?”. Bom, agora eu já sabia onde ficava.

Só faltava a coragem pra entrar, porque nessas horas você acha que todo mundo está te olhando. Um cara de uma loja que fica do lado do local, eu acho, até me olhava mesmo, mas talvez achando esquisito meus passos hesitantes. Passei reto, como se fosse pra outro lugar. Dei uma olhada pra trás. Rua tal, número cento e tal. “Vamo lá, ninguém tá se lixando pra você...”. Entrei no lugar, que na porta tinha uma falsa indicação de que seria um cabeleireiro. Fui andando pelo corredorzinho estreito, com umas curvas. Comecei a subir e a ouvir umas vozes. “Será que tem alguém conhecido lá dentro?”.
Carpete bege, luz vermelha – “luz vermelha...” – e meia-dúzia de meninas dançando um daqueles funks “proibidões”. Era um sujeito que ameaçava, berrando: “Vou passar cerol na mãããããooo!”. Algumas cantavam o resto da letra. Todas de calcinha e sutiã, exibindo os dotes – pelo que me lembro, não muito atraentes, mas o suficiente pra formar clientela. Olhei rápido para os lados; me sentia diferente daqueles caras, com aquelas caras de pobres famintos, doidos pra “dar umazinha’ e esquecer um pouco a sua triste condição.
Tinha mulher pra quase todo mundo; as outras estavam num barzinho atrás, fingindo querer namorar aqueles miseráveis, servindo Skol, enquanto outras estavam nos cubículos sendo consumidas mais uma vez. “Vem tesão, vô ti pegá de jeito”, diziam as dançarinas. “Ai, me fode gostoso, filho da puta, ai, tesão, mete, isso”, uma falava com o freguês em um dos matadouros. Tudo isso registrado em poucos minutos. Logo que eu me vi envergonhado, mas disposto a ficar, escolhi uma mulata magra, que parecia mais discreta e menos barriguda.
Enquanto entrava olhei de relance o cafetão, um careca forte, e um velho saindo satisfeito de outro cubículo.“Você com essa barba parece o Ed Motta”, falou a que eu escolhi. Meu maxilar, a essa altura, já estava rígido demais pra que eu fingisse descontração e conforto. O cubículo tinha um cheiro novo pra mim, mas previsível: fedor cheiroso, afinal, não há bom-ar que abafe a catinga de trocentos sujeitos por dia. Tirei a roupa e ela foi logo intervindo naquela região onde, diz a ciência, está o centro do prazer masculino. “Você já vai pôr a camisinha? Nem endureceu ainda”, retruquei. “Como é que eu vou chupar sem camisinha, querido?”. E assim foi. E enquanto ela rebolava eu ficava atrás, me roçando, cada vez mais apto.
Eu gosto de ver a mulher por cima, cavalgando, o esforço sexual que as deixa bem suadas e ainda mais apetitosas. “Ah, por cima não dá não. To trabalhando aqui desde manhã!”, explicou, e então abriu as pernas.“Posso ver teus peitos?”, pedi. “Pode, mas sem ficar pegando nem beijando”. Quando o coito começou, eu resolvi colar nela. Até que a mulata colaborou. Falou aquelas bobagens no meu ouvido esquerdo e deu umas mordidinhas, lambendo. Ela sabia dar prazer, mesmo cansada. Eu queria prazer, mesmo desconfortável.
Depois daqueles segundos de satisfação, dei os 10 reais e achei aquilo deprimente. Ela começou a cantarolar e perguntou, enquanto eu me vestia: “e aí, gostou, tudo bem? Dá um beijinho”, virou a bochecha direita. Quê que eu ia fazer? Depois, saí o mais rápido que pude e corri praquela avenida cheia de gente que é contra a prostituição e que jamais usaria, em prol de seu Id insaciável, uma pobre coitada sem cultura e sem perspectivas de vida digna. Gente como eu.

posted by Thiago at 5:24 PM 0 comments

domingo, abril 06, 2008

Em desagravo ao desagravo

O meu post anterior, não obstante o verniz de objetividade (maldita palavra), foi só um resmungo. Às vezes levo a sério demais essas bobagens futebolísticas. Sou rubro-negro de coração (ou pelo menos aprendi a ser, com meu pai) e às vezes fico saturado com certos discursos 'antiflamenguistas'. Isto existe mesmo, esse 'antiflamenguismo', mas só é perigoso quando serve de pano de fundo para fanatismo e violência. A paixão do futebol é necessariamente partidarista, julgo eu, que também torço contra - especialmente contra o Vasco. Os discursos justificativos são nosso lado criança.