sábado, fevereiro 03, 2007

O que é 'defesa da vida'? parte 2

Tentando ser mais abrangente, embora longe de exaustivo, continuamos com nossas elucubrações acerca do valor da vida e do que significaria 'defender a vida'. A idéia aqui neste texto é abordar certos aspectos deixados em segundo plano ou ignorados no primeiro texto, além de tentar esclarecer algumas observações daquela primeira parte.
Novamente os direitos do homem - Voltemos a falar de 'direitos humanos'. Uma primeira observação pertinente é que nem sempre, na história da humanidade, o que chamamos de direitos - como direito à vida e à liberdade - foi considerado óbvio. Na verdade, o Estado Moderno ocidental é que estabeleceu ou institucionalizou essas idéias. Isto não quer dizer que antes simplesmente não se considerou, em nenhum momento e em nenhum lugar, que a um ser humano devem ser 'concedidas' certas 'prerrogativas' - como as citadas 'vida' e 'liberdade' -, mas foi no surgimento do Estado de Direito que essa maneira de enxergar o homem se solidificou como ordem em vez de questão de opinião ou generosidade.
Mas é claro que tempo e espaço (épocas, períodos, momentos e lugares/territórios) continuam influindo nessa maneira de pensar; em todos os países considerados civilizados, ou pelo menos onde há uma constituição razoavelmente verossímil que garante os direitos dos cidadãos, há sempre alguns discutindo sobre o perigo de se voltar á 'barbárie', onde valeria apenas a lei do mais forte e a vingança como balança. Então talvez seja bom ir com calma ao se criticar as entidades de direitos humanos e seus partidários, pois a questão vai muito além de 'defender bandidos'.
Observamos na parte 1 deste pobre ensaio que ao ouvirmos, por exemplo, as alegações dos que são contra a pena de morte para assassinos, somos 'tentados' a imediatamente retrucar que pessoas que matam injustificadamente não merecem viver. Independentemente de ser correto ou não esse argumento, podemos observar que também é comum, em todas as partes do planeta e não só nos países 'problemáticos' ou 'bárbaros', uma punição desproporcional ou mesmo cruel a certos erros. Será que mesmo a justiça não precisa de mansidão? É certo amputar a mão de um gatuno? É justo linchar um bandido, mesmo os piores? Ainda que eu seja a favor da morte aos assassinos não tenho a opção de matá-los da maneira menos dolorosa? Se é tênue a fronteira entre compaixão e complacência, também parece tênue a que separa justiça e vendeta.
Família, procriação, sexo - se existe, como parece existir, defesa da vida, nosso ato mais comum é defendermos os nossos - os que geramos, os que nos gerararam, os que têm 'o mesmo sangue'. O pensador americano Richard Rorty diria que a justiça se confunde com lealdade - e antes de sermos leais com os 'seres vivos' ou aos 'seres humanos como nós' somos leais, numa escala crescente, aos nossos concidadãos, nossos parentes/amigos e a nossos familiares - pais, filhos, irmãos, cônjuges.
Alguns pensadores, como Schopenhauer, viram no acasalamento/procriação uma tentativa de vencer a morte. Ao deixarmos descedência, lutamos pela vida - em especial, pela nossa própria vida, que se perpetuaria nas gerações seguintes. Então defenderíamos a vida por termos a esperança de viver para sempre? Quanto de altruísmo e de egoísmo há em nossa defesa?
A atração sexual, então, seria atração pela vida, já que no sexo oposto veríamos possibilidades maiores ou menores de realizarmos nosso desejo de perdurar...mas e o homossexualismo? Seria desejo de morte? Não parece ser necessário um conhecimento de psicologia ou de antropologia para se tentar uma interpretação, não obstante essas e outras áreas do conhecimento busquem uma resposta. Parece muito à mão uma explicação, digamos, biológica: tendo em vista que a população mundial cresce exponencialmente, é necessário que parte dos adultos não se direcione à procriação, realizando seu desejo de maneiras 'alternativas', sendo uma delas o prazer com pessoas do mesmo sexo - poderia ser o sacerdócio, a bizarrice, a loucura, etc. Mas é claro que aí desconsideramos certas questões culturais como o interesse de muitos por ambos os sexos e mesmo a repressão sexual.
Os melhores, os ídolos -
os heróis, os santos, os que realizam façanhas, os 'gênios', os que admiramos de modo geral espelhariam de maneira especial nosso desejo pela vida, nossa defesa da vida contra a morte? Talvez sim, tendo em vista que uma característica em comum de todas essas categorias de grandes homens (e mulheres) é a capacidade de perdurarem. Dizemos que 'a sua arte', 'os seus livros', 'as suas palavras', 'o seu exemplo' e até 'a sua beleza' não será esquecida 'jamais'. Parece que uma certeza misteriosa, misto de profecia e pretensão científica, me garante que daqui a 3 mil anos Beethoven continuará sendo reconhecido como gênio da música; curiosamente, Hitler e todos os grandes ditadores e fascinóras, a despeito dos novos, também alcançam essa 'imortalidade'.
Progresso e natureza - Daqui a 3 mil anos...daqui a 100 anos...existirá esse palco para o teatro da vida? Não se trata de especulação metafísica ou religiosa; a vida na Terra, seja dom de Deus ou mero acaso, é cada vez mais uma decisão que cabe ao homem tomar - a nós todos, a eu que escrevo e a você que lê, também. O planeta está seriamente doente, muito embora a expectativa de vida média de um ser humano venha crescendo.
Falávamos de lealdade, que pode significar o 'primeiro eu e os meus'. É a lealdade - aos negócios de seu país, aos interesses corporativos, seja lá ao que for - a explicação de alguns que têm mais poder de influência nos rumos do planeta mas nada fazem de efetivo para reverter a baderna climática na qual nos encontramos. O planeta esquenta como numa estufa; as reações da natureza são cada vez mais imprevisíveis, com geleiras vitais derretendo e áreas verdes sendo desertificadas (por conta de poluição e desmatamento), mas certos chefes de Estado garantem que a falta de mudanças na política antiambiental é para o bem dos seus.
Ora, será que não há aqui, mais do que uma questão moral muito evidente, uma questão de inteligência? Para onde irão as indústrias queimadoras de dióxido de carbono - o CO2 - quando não houver mais um planeta? Até que ponto as individualidades podem ignorar o coletivo sem conseqüências negativas para esses mesmos indivíduos? A questão ambiental parece ter empurrado o ser humano para uma resposta obrigatória a esses questionamentos. Não há vizinhos para ignorarmos num planeta cada vez mais fragilizado por um progressismo cego do homem. Só há uma teia da vida humana, correndo sério risco de arrebentar. Por isso, temos de perguntar quanto vale a vida e o que é defendê-la ou desprezá-la.