domingo, julho 30, 2006

Ainda sobre Sócrates e 'A República'

Quanto mais falamos, mais estamos perto de pecar, teria dito - com toda razão - o Sábio em Eclesiastes (ou seria em Provérbios?). Gostaria de fazer mais algumas observações sobre minha leitura de 'A República' e aproveitar para tentar melhorar minhas considerações sobre o 'mundo das idéias' platônico.
Vamos lá...'o mundo das idéias': da maneira que expus antes, muito grosso modo, posso levar o leitor a confundir a teoria de Platão com a de Aristóteles. Digo isto porque este também teorizava sobre idéias universais, porém concebendo-as de maneira empírica - ou seja: Platão correlacionava as 'coisas' concretas a idéias imateriais, com estas determinando aquelas, enquanto que seu discípulo (sim, discípulo) Aristóteles partia do concreto para se chegar ao abstrato. Para exemplificar: uma andorinha, para Platão, seria cópia da idéia de andorinha; já na visão aristotélica, uma andorinha não seria cópia de idéia nenhuma - o que posso fazer, mediante a razão, é observar características comuns entre andorinhas, gaviões, galinhas, rouxinóis e todos os pássaros, chegando ao conceito 'pássaro' (soma de caracteres comuns a todos os pássaros). Daí a necessidade de um esclarecimento meu, porque falei do 'conceito de ser humano', por exemplo, de maneira muito mais aristotélica que socrática/platônica. Bem, esta história é longa e merece estudos que nenhum blogueiro ignorante (ainda que esforçado) pode dar conta...
Mas então, quando anteriormente teci comentários sobre 'A República', me ative aos aspectos mais relacionados ao escopo da Ciência Política - boa governança, autoridade, interesses comuns a todos. É claro que ao considerar preconceituosas certas posições de Platão eu mesmo fui preconceituoso e assumi meu anacronismo. Não é tão simples criticar a eugenia do Estado ideal do autor; o mesmo se aplicando a todas as demais polêmicas que a obra suscita, como a censura nos campos cultural e educacional - afinal, nós pensamos sempre, aqui e alhures, na necessidade de limites; liberdade absoluta é um sonho tremendamente questionável. Aliás, liberdade mesmo não pressupõe duvidar e colocar em xeque a tal 'liberdade'? Quem é livre mesmo pode querer abrir mão da liberdade e considerá-la até um grande problema, uma droga (em todos os sentidos). Muitas discussões deliciosas ainda vão acontecer sobre tudo isso.
Decidi ler 'A República' na esperança de visualizar mesmo uma utopia daquelas de nos fazer levantar da cadeira, bater no peito e dizer 'é possível! Vamos à luta, gente!'. É até engraçado: não foi nada disso que encontrei. Mas encontrei idéias muito instigantes, ainda que muitas vezes desagradáveis, e fortes indícios de que seu autor é mesmo tão genial quanto diz a História da Filosofia. Se a concepção platônica dos diferentes caracteres humanos e das diferenças entre sexos são passíveis de esquecimento, e daí? E dái, se a separação entre racional (mente), emocional (coração) e concupscível (prazeres 'primitivos') for rígida demais, namorando o irreal por não observar com o devido cuidado o imbricamento entre as três instâncias?
Sócrates e Platão, como todos os grande pensadores que vieram e virão, indicaram caminhos, viram além, observaram o que costuma passar despercebido, ajudaram a humanidade a se conhecer melhor - ainda que o desconhecimento (seja inocência ou ignorância) seja, por tempo indeterminado, nosso chão. O que é o homem? O que é existir? O que é o bem? Nenhum deles nos deu respostas definitivas (por mais que muitos queiram se enganar ou sejam enganados), mas reafirmaram a necessidade e a beleza de perguntar e continuar perguntando.