"Memórias...", capítulo 15
CAP.15 - MALDITA CIVILIZAÇÃO (OU COMO ERA VERDE A MINHA PALESTINA)
Este é um momento especial para o blog, prezado leitor hipotético: são 100 postagens! Para comemorar esta incrível marca, nada como escrever alguns parágrafos inúteis e legá-los à posteridade. Posso me considerar um especialista nisso.
São 512 anos de Brasil até agora. Vocês já sabem que desde 1500 a vida dos habitantes originais de Pindorama não seria mais a mesma. Mas quero ressaltar aqui uma das maiores heranças européias, se não a maior: a neurose da culpa cristã e sua necessidade de 'salvação'.
Jesus teria ordenado a seus apóstolos que fossema 'todos os povos do mundo' pregar sua palavra de 'salvação'. Do que o homem precisaria ser salvo? Como já discorremos especialmente nos capítulos 3 e 11 dessas memórias, o ser humano precisa ser salvo das próprias condições impostas a eles por 'Deus' - no fim das contas, do próprio 'Deus'. Somos naturalmente maus, propensos a fazer tudo o que desagrada a nosso Criador (que poderia ter feito de qualquer outro jeito, mas misteriosamente preferiu assim).
E assim partiram os homens de deus por toda a Europa, África, Ásia, América, Oceania...assim tem sido, para 'a honra e glória de Deus'...assim aprenderiam indígenas, aborígenes e outros selvagens que, além de temer e louvar o 'verdadeiro deus', deveriam sentir-se em dívida para com um sujeito-deus que se sacrificou na Palestina para aplacar a ira divina - ou seja, sua própria ira.
O espírito de deus foi ensinando a todos os povos deste planetinha a sentirem-se culpados por serem o que são. Eis a 'Boa Notícia': acreditem numa história sem provas, sintam-se mal por serem pecadores, arrependam-se de serem primatas tentando viver num mundo sem qualquer explicação razoável. Não sei quem é mais digno de pena: o selvagem que deveria tentar entender essa história, ou o missionário que deveria explicá-la.
Tratava-se de uma questão recorrente nos estudos bíblicos de minha igreja: como fazer um indígena ou qualquer povo não civilizado entender a 'história da salvação'? Como fazer um sujeito se arrepender de seus pecados se ele sequer sabe o que é isso? Como um sujeito que não conhece ou não entende a Bíblia pode ser julgado com base nela? Fundamentalmente, chega-se a duas correntes: uma diz que os mesmos serão julgados do mesmo modo que povos afeitos à mensagem cristã, então, 'só lamento'; outros argumentam que deus deu a eles consciência, e é com base nesta consciência que serão julgados.
Vamos então pormenorizar: determinada corrente teológica cristã acredita ser perfeitamente justo e correto mandar índios, aborígenes e qualquer outro povo não evangelizado para o inferno porque, afinal de contas, ' todos pecaram e estão afastados de deus' (vide Paulo em sua carta aos Romanos, por exemplo). Os adeptos desta corrente completam: é por isso que a palavra deve ser espalhada incessantemente e em todos os cantos deste mundo, no peito e na raça, pois todos os dias milhares e milhares de almas são condenadas ao inferno por não conhecerem Jesus e sua mensagem de amor. Haja amor!
Já nossos amigos da segunda corrente argumentam que deus não julgará esses povos não evangelizados do mesmo modo que julgará quem conhece a 'Boa Notícia', pois não seria justo. Entretanto, todos eles serão julgados com base na sua consciência, uma vez que foram dotados de discernimento acerca do bem e do mal (como diz Paulo em...tcharam! Carta aos Romanos!). Ao que chego à seguinte indagação: qual é a verdadeira 'Boa Notícia'? O Novo Testamento e seu 'acredite se puder' ou o atestado de selvagem que me garantiria que, pelo menos, eu seria julgado considerando se dividi minha tapioca com um outro índio e não se consigo acreditar numa trama semita rocambolesca sem qualquer evidência?
Minha igreja parecia adepta da segunda corrente, de modo que, de vez em quando, nos estudos bíblicos, era inevitável um sorriso amarelo do tipo 'putz, que merda ser civilizado, que inveja dos índios'. Ao conhecer a palavra de deus, a conduta moral do sujeito não mais lhe basta como parâmetro de julgamento; o cara, daqui para a frente, tem que acreditar num suposto (auto)sacrifício na Palestina há mais de dois mil anos, sem qualquer fonte confiável de que essa é a tal vontade de deus mas ameaçado de queimar eternamente.
Mas o homem civilzado e devidamente evangelizado não poderia deixar isso barato. Afinal, por que o índio, o chinês, o massai e os demais povos ignorantes da 'Boa Notícia' iam seguir suas vidinhas (nem sempre) pacatas enquanto eu esfolo meus joelhos numa igreja e tenho que fazer sinal da cruz e me sentir um traste pecador? Vamos espalhar essa piada de mau gosto a todos os povos, vamos exportar a neurose cristã nem que seja na base da espada! Deus fica feliz - não foi à toa que deixou a árvore do bem e do mal, embora proibida, facilmente ao alcance de Adão e Eva.
O cristianismo, seja católico ou evangélico, segue a sua saga de espalhar a 'Boa Notícia' contida no 'Bom Livro' (uma espécie de apelido da Bíblia, para quem nao sabe). Povos de todo mundo, ouvides: jogai fora vossos Vedas, Talmude, Alcorão, Bagavad-Ghita, Origem das Espécies e demais livros pagãos! Rejeitai Tupã, Thor, Krishna, Ganesha, Pônei Colorido e demais deuses falsos, pois o Senhor não pensa duas vezes antes de mandar uma alma penar eternamente no inferno! Ou talvez não...fiquem quietinhos por aí enquanto a civilização cristã tenta se virar com um deus tão chegado a dificultar a vida dos seus adoradores - top, top, top.
São 512 anos de Brasil até agora. Vocês já sabem que desde 1500 a vida dos habitantes originais de Pindorama não seria mais a mesma. Mas quero ressaltar aqui uma das maiores heranças européias, se não a maior: a neurose da culpa cristã e sua necessidade de 'salvação'.
Jesus teria ordenado a seus apóstolos que fossema 'todos os povos do mundo' pregar sua palavra de 'salvação'. Do que o homem precisaria ser salvo? Como já discorremos especialmente nos capítulos 3 e 11 dessas memórias, o ser humano precisa ser salvo das próprias condições impostas a eles por 'Deus' - no fim das contas, do próprio 'Deus'. Somos naturalmente maus, propensos a fazer tudo o que desagrada a nosso Criador (que poderia ter feito de qualquer outro jeito, mas misteriosamente preferiu assim).
E assim partiram os homens de deus por toda a Europa, África, Ásia, América, Oceania...assim tem sido, para 'a honra e glória de Deus'...assim aprenderiam indígenas, aborígenes e outros selvagens que, além de temer e louvar o 'verdadeiro deus', deveriam sentir-se em dívida para com um sujeito-deus que se sacrificou na Palestina para aplacar a ira divina - ou seja, sua própria ira.
O espírito de deus foi ensinando a todos os povos deste planetinha a sentirem-se culpados por serem o que são. Eis a 'Boa Notícia': acreditem numa história sem provas, sintam-se mal por serem pecadores, arrependam-se de serem primatas tentando viver num mundo sem qualquer explicação razoável. Não sei quem é mais digno de pena: o selvagem que deveria tentar entender essa história, ou o missionário que deveria explicá-la.
Tratava-se de uma questão recorrente nos estudos bíblicos de minha igreja: como fazer um indígena ou qualquer povo não civilizado entender a 'história da salvação'? Como fazer um sujeito se arrepender de seus pecados se ele sequer sabe o que é isso? Como um sujeito que não conhece ou não entende a Bíblia pode ser julgado com base nela? Fundamentalmente, chega-se a duas correntes: uma diz que os mesmos serão julgados do mesmo modo que povos afeitos à mensagem cristã, então, 'só lamento'; outros argumentam que deus deu a eles consciência, e é com base nesta consciência que serão julgados.
Vamos então pormenorizar: determinada corrente teológica cristã acredita ser perfeitamente justo e correto mandar índios, aborígenes e qualquer outro povo não evangelizado para o inferno porque, afinal de contas, ' todos pecaram e estão afastados de deus' (vide Paulo em sua carta aos Romanos, por exemplo). Os adeptos desta corrente completam: é por isso que a palavra deve ser espalhada incessantemente e em todos os cantos deste mundo, no peito e na raça, pois todos os dias milhares e milhares de almas são condenadas ao inferno por não conhecerem Jesus e sua mensagem de amor. Haja amor!
Já nossos amigos da segunda corrente argumentam que deus não julgará esses povos não evangelizados do mesmo modo que julgará quem conhece a 'Boa Notícia', pois não seria justo. Entretanto, todos eles serão julgados com base na sua consciência, uma vez que foram dotados de discernimento acerca do bem e do mal (como diz Paulo em...tcharam! Carta aos Romanos!). Ao que chego à seguinte indagação: qual é a verdadeira 'Boa Notícia'? O Novo Testamento e seu 'acredite se puder' ou o atestado de selvagem que me garantiria que, pelo menos, eu seria julgado considerando se dividi minha tapioca com um outro índio e não se consigo acreditar numa trama semita rocambolesca sem qualquer evidência?
Minha igreja parecia adepta da segunda corrente, de modo que, de vez em quando, nos estudos bíblicos, era inevitável um sorriso amarelo do tipo 'putz, que merda ser civilizado, que inveja dos índios'. Ao conhecer a palavra de deus, a conduta moral do sujeito não mais lhe basta como parâmetro de julgamento; o cara, daqui para a frente, tem que acreditar num suposto (auto)sacrifício na Palestina há mais de dois mil anos, sem qualquer fonte confiável de que essa é a tal vontade de deus mas ameaçado de queimar eternamente.
Mas o homem civilzado e devidamente evangelizado não poderia deixar isso barato. Afinal, por que o índio, o chinês, o massai e os demais povos ignorantes da 'Boa Notícia' iam seguir suas vidinhas (nem sempre) pacatas enquanto eu esfolo meus joelhos numa igreja e tenho que fazer sinal da cruz e me sentir um traste pecador? Vamos espalhar essa piada de mau gosto a todos os povos, vamos exportar a neurose cristã nem que seja na base da espada! Deus fica feliz - não foi à toa que deixou a árvore do bem e do mal, embora proibida, facilmente ao alcance de Adão e Eva.
O cristianismo, seja católico ou evangélico, segue a sua saga de espalhar a 'Boa Notícia' contida no 'Bom Livro' (uma espécie de apelido da Bíblia, para quem nao sabe). Povos de todo mundo, ouvides: jogai fora vossos Vedas, Talmude, Alcorão, Bagavad-Ghita, Origem das Espécies e demais livros pagãos! Rejeitai Tupã, Thor, Krishna, Ganesha, Pônei Colorido e demais deuses falsos, pois o Senhor não pensa duas vezes antes de mandar uma alma penar eternamente no inferno! Ou talvez não...fiquem quietinhos por aí enquanto a civilização cristã tenta se virar com um deus tão chegado a dificultar a vida dos seus adoradores - top, top, top.
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