"Memórias de um ex-fanático", capítulo 5
CAP.5 - A CIÊNCIA DA FÉ
Eu dizia no capítulo anterior que no 'Reino' havia muita gente instruída. Era uma espécie de 'tropa de elite' do Senhor, com gradução, mestrado ou mesmo doutorado. Esta tropa - da qual fiz parte como universitário - tinha um papel preponderante na árdua (muito árdua) tarefa de conciliar nossa fé com racionalidade, dando um verniz 'científico' à nossa teoria da salvação - ou melhor dizendo, dando uma aparência 'esclarecida' e 'verificável' ao que pregávamos.
Então tentávamos, na esteira da velha tradição apologética (de defesa, de justificação da fé), convencer os perdidos - e a nós mesmos - de que falávamos coisas razoáveis e que havia 'evidências' de que nossa fé tão peculiar merecia crédito. 'Evidências'... debates, estudos, palestras, conferências... buscávamos pateticamente fazer o que nem o nosso próprio Deus, no qual acreditávamos, se deu ao trabalho.
Mas como disse, este era o nosso verniz de racionalidade. No nosso dia-a-dia na 'guerra espiritual', valia a boa e velha crueza da fé contra tudo e contra todos. Se algum perdido mais habilidoso desmontava nossos argumentos - o que não era difícil para alguém com alguma disposição racional mais bem treinada -, sempre poderíamos apelar para a Autoridade e para a Revelação. Nos estudos bíblicos, bem como nos cultos, ainda que dessémos umas pinceladas de razão não podíamos abrir mão da 'verdade revelada'. Esfregávamos a nossa verdade na cara dos incrédulos, pois embora convencer fosse útil, atemorizar é que era fundamental.
Eis algumas pílulas de verdade que distribuíamos em cultos e estudos bíblicos:
LEI DA GRAVIDADE CRISTÃ (irmão com doutorado) - "Todos já devem ter ouvido falar da lei da gravidade, e a respeitam em seu dia-a-dia; ninguém que quer se manter vivo tenta sair voando do alto de um prédio, porque sabe que vai ser atraído para o solo, vai cair, é uma lei da física e todos respeitam. Mas a Bíblia diz claramente que 'o salário do pecado é a morte'. Por que então insistimos em pecar, em não obedecer a Palavra de Deus? A Bíblia contém uma lei muito clara e compreensível". Fico me perguntando por que não conseguimos converter todos os cientistas e acadêmicos que abordávamos após um argumento infalível como este. O pessoal das universidades era mesmo muito teimoso.
SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO (também do irmão com doutorado) - "Basta estudar os livros religiosos como o Alcorão, o Talmude, etc, e você verá que nenhum deles se coloca contra a Bíblia. Mas a Bíblia claramente os repudia. É como se estivéssemos numa roda de pessoas em que todos dissessem em relação a uma daquelas pessoas: 'não podemos apontar nada contra você', e esta pessoa dissesse: 'mas eu tenho algo contra todos vocês'. Assim é a Bíblia em relação a todas as doutrinas religiosas". Corrijam-me se eu estiver errado: se rolasse uma pancadaria entre determinados seres inanimados, a saber, livros religiosos, veríamos a Bíblia segurar o Corão, os Vedas e o Talmude pelo pescoço. Este grande argumento do irmão só tem dois defeitos: 1-é extremamente antipático; 2- ignora o que de fato apregoam as religiões 'rivais' do Cristianismo.
BREVE HISTÓRIA DA INTELECTUALIDADE OCIDENTAL (ou 'por que não podemos acreditar nessa gente', segundo um respeitado pastor)- "Todos estes homens eram ateus: Nietzsche era homossexual, contraiu sífilis e morreu; Marx era nervoso e cheio de preconceitos; Voltaire, pai do Iluminismo, passou sua última noite inteira pedindo perdão; a teoria da evolução de Darwin é furada; Freud era viciado em cocaína. São estas pessoas que vocês querem seguir, universitários?". Depois dessa o melhor é queimar as obras destes hereges, vocês não acham?
VERACIDADE BÍBLICA (pastor no púlpito da igreja) - "ninguém questiona a autenticidade de obras ainda mais antigas do que a Bíblia, como A Ilíada e A Odisséia, de Homero, mas logo se levanta uma voz para questionar se a Bíblia é realmente verdadeira". Hum...talvez isso ocorra porque ninguém é ameaçado de queimar eternamente por não acreditar em Ulisses ou Aquiles.
O apóstolo Paulo de Tarso - de quem falarei muito em breve noutros capítulos - dizia que a mensagem da Boa Notícia de Jesus parece loucura aos olhos do mundo. Taí uma das poucas coisas que este Paulo falou com a qual eu concordo. O Deus bíblico não quis esclarecer nada, talvez porque seria muito sem graça para ele. Mas vale dar umas boas risadas com a confusão mental que inculcou nas cabeças dos pobres mortais que tentam entender sua 'Palavra' - e que, para piorar, ainda tentam explicar para os outros.
Então tentávamos, na esteira da velha tradição apologética (de defesa, de justificação da fé), convencer os perdidos - e a nós mesmos - de que falávamos coisas razoáveis e que havia 'evidências' de que nossa fé tão peculiar merecia crédito. 'Evidências'... debates, estudos, palestras, conferências... buscávamos pateticamente fazer o que nem o nosso próprio Deus, no qual acreditávamos, se deu ao trabalho.
Mas como disse, este era o nosso verniz de racionalidade. No nosso dia-a-dia na 'guerra espiritual', valia a boa e velha crueza da fé contra tudo e contra todos. Se algum perdido mais habilidoso desmontava nossos argumentos - o que não era difícil para alguém com alguma disposição racional mais bem treinada -, sempre poderíamos apelar para a Autoridade e para a Revelação. Nos estudos bíblicos, bem como nos cultos, ainda que dessémos umas pinceladas de razão não podíamos abrir mão da 'verdade revelada'. Esfregávamos a nossa verdade na cara dos incrédulos, pois embora convencer fosse útil, atemorizar é que era fundamental.
Eis algumas pílulas de verdade que distribuíamos em cultos e estudos bíblicos:
LEI DA GRAVIDADE CRISTÃ (irmão com doutorado) - "Todos já devem ter ouvido falar da lei da gravidade, e a respeitam em seu dia-a-dia; ninguém que quer se manter vivo tenta sair voando do alto de um prédio, porque sabe que vai ser atraído para o solo, vai cair, é uma lei da física e todos respeitam. Mas a Bíblia diz claramente que 'o salário do pecado é a morte'. Por que então insistimos em pecar, em não obedecer a Palavra de Deus? A Bíblia contém uma lei muito clara e compreensível". Fico me perguntando por que não conseguimos converter todos os cientistas e acadêmicos que abordávamos após um argumento infalível como este. O pessoal das universidades era mesmo muito teimoso.
SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO (também do irmão com doutorado) - "Basta estudar os livros religiosos como o Alcorão, o Talmude, etc, e você verá que nenhum deles se coloca contra a Bíblia. Mas a Bíblia claramente os repudia. É como se estivéssemos numa roda de pessoas em que todos dissessem em relação a uma daquelas pessoas: 'não podemos apontar nada contra você', e esta pessoa dissesse: 'mas eu tenho algo contra todos vocês'. Assim é a Bíblia em relação a todas as doutrinas religiosas". Corrijam-me se eu estiver errado: se rolasse uma pancadaria entre determinados seres inanimados, a saber, livros religiosos, veríamos a Bíblia segurar o Corão, os Vedas e o Talmude pelo pescoço. Este grande argumento do irmão só tem dois defeitos: 1-é extremamente antipático; 2- ignora o que de fato apregoam as religiões 'rivais' do Cristianismo.
BREVE HISTÓRIA DA INTELECTUALIDADE OCIDENTAL (ou 'por que não podemos acreditar nessa gente', segundo um respeitado pastor)- "Todos estes homens eram ateus: Nietzsche era homossexual, contraiu sífilis e morreu; Marx era nervoso e cheio de preconceitos; Voltaire, pai do Iluminismo, passou sua última noite inteira pedindo perdão; a teoria da evolução de Darwin é furada; Freud era viciado em cocaína. São estas pessoas que vocês querem seguir, universitários?". Depois dessa o melhor é queimar as obras destes hereges, vocês não acham?
VERACIDADE BÍBLICA (pastor no púlpito da igreja) - "ninguém questiona a autenticidade de obras ainda mais antigas do que a Bíblia, como A Ilíada e A Odisséia, de Homero, mas logo se levanta uma voz para questionar se a Bíblia é realmente verdadeira". Hum...talvez isso ocorra porque ninguém é ameaçado de queimar eternamente por não acreditar em Ulisses ou Aquiles.
O apóstolo Paulo de Tarso - de quem falarei muito em breve noutros capítulos - dizia que a mensagem da Boa Notícia de Jesus parece loucura aos olhos do mundo. Taí uma das poucas coisas que este Paulo falou com a qual eu concordo. O Deus bíblico não quis esclarecer nada, talvez porque seria muito sem graça para ele. Mas vale dar umas boas risadas com a confusão mental que inculcou nas cabeças dos pobres mortais que tentam entender sua 'Palavra' - e que, para piorar, ainda tentam explicar para os outros.
3 Comments:
Este comentário foi removido pelo autor.
Eu acredito em Édipo Rei e em Ulisses! E que saudades da época deles, quando havia um deus para cada culpa.
BREVE HISTÓRIA DA INTELECTUALIDADE OCIDENTAL (ou 'por que não podemos acreditar nessa gente', segundo um respeitado pastor)- eu lembro desse discurso, bizarro, na época eu já tava lendo Nietzsche e fiquei rindo por dentro.
Cara, os universitários eram os mais arrogantes, não tenho rancor, mas eram os mais imbecis.
Lembro de ter pego emprestado uma vez um livro do Goethe sobre cores e metafísca... e um do Jung, a "irmã" perguntou pra que que eu queria ler aquilo... fiquei constrangida.
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